terça-feira, 27 de maio de 2014

# Capítulo 3

            A janela estava aberta, a cortina movimentava-se lentamente com cada brisa que passava. Eu não tive sonhos essa noite. Apenas fechei os olhos, e depois tudo ficou escuro. Acordei antes do despertador. São exatamente cinco para seis. Antes de dormir, eu estava deitada no chão com os pés sobre a cama. Eu costumava ficar assim quando criança. Só que antes o que ficava sobre a minha barriga era um boneca de pano chamada Duda, agora o que fica sobre a minha barriga é o meu celular.
            Quando pisei no chão, a procura das minhas pantufas, pude sentir a case do meu celular e logo depois, ao pegá-lo, ver exatamente 36 chamadas perdidas do Arthur. Perdidas e não pedidas. A única coisa boa em ter feito aniversário ontem, é que hoje é feriado. Um feriado em plena terça-feira. Então eu não preciso ir para Faculdade encarar o Arthur mais uma vez. E nem repetir “estou legal” umas setecentas vezes para as meninas.
            Levanto-me em passos curtos e me encaro sobre o espelho. Não gosto do que vejo. O meu rosto está amassado e o meu cabelo parece ter acabado de sair, de um... digamos, de um furacão. Regra número um de acordar apresentável: nunca lave o seu cabelo à noite e vá para a cama. Regra número dois de acordar apresentável: certifique-se de que não verá o seu quase-namorado numa boate beijando uma garota de Comunicação Social. Regra número três de acordar apresentável: nunca quebre as duas primeiras regras.
            Após uma chuveirada, me sinto melhor. Tudo melhora depois de um banho. Prendo o meu cabelo num coque meio estou-em-casa-de-pijama-e-não-vou-sair, coloco uma blusinha surrada que tem três vezes o meu tamanho, calço as minhas pantufas do Homer, peço perdão a Deus e desço as escadas. Eu preciso tomar café. Um café amargo, para combinar com o dia.
            Enquanto eu desço as escadas eu posso ouvir vozes, eu posso ouvir o meu nome. Mas geralmente, nós não recebemos visitas. Muito menos visitas que falam o meu nome às seis da manhã. E porque diabos todo mundo resolveu acordar às seis da manhã num feriado? Um, dois, três degraus. Estou na sala. As vozes vêm da sala de jantar. Uma parece bem grave.
            - Não é só o destino de Ana. É o destino de Lorenzo também – alguém o qual a voz não consigo reconhecer.
            - Eu não sei se está na hora de... vocês... sabem... Ana saber de tudo – foi a vez de tia Janine falar.
Saber o quê?
            - Ora, Janine. Ela fez 18 anos e você sabe que isso deveria ter acontecido há muito tempo – agora foi a voz de uma mulher, rouca, fraca.
            - Ela precisa ser apresentada à Lorenzo. Afinal, eles estão noivos desde os 7 anos.
Ok. Agora eu sei que estou sonhando. Eu sei que daqui há alguns minutos o meu despertador vai tocar e eu vou assistir New Girl ou dançar. Quem é Lorenzo?
            - Mas ela não sabe de nada. Seria um choque, um tiro no escuro – tia Janine falava descontroladamente.
            - Ela terá que saber algum dia – o homem disse.
Noiva? Eu estou noiva? Certo. Isso é um sonho. Portanto, eu posso invadir aquela sala de estar e ninguém me mandará ficar quieta ou me acusará de espantar as visitas. Porque daqui a pouquinho o meu despertador vai tocar. Tudo bem caso eu invada aquela sala.
Eu pensei e agi. Dois segundos depois eu estava lá dentro, encarando tia Janine, tio Pablo (eu não havia escutado a voz dele até agora), uma senhora super bem vestida e um homem com um terno que cheirava à bom gosto (aquele da voz grave), olhando para mim. Ok. Hora de acordar. E eu não acordei. Ok. Isso não é um sonho.
            - Ana! – tia Janine correu até mim.
            - Noiva? Eu estou noiva? – foi a única coisa que consegui falar.
O homem do terno de um bilhão de dólares caminhou em minha direção. Ficou quieto, me olhando, piscando lentamente, piscando com os meus olhos. Ele tem os meus olhos. Meu Deus do céu. Ele tem os meus olhos. E não só os olhos, o queixo também. Agora a senhora bem vestida está tocando os meus cabelos como se eu fosse um ser marciano que caiu por acaso na sala de estar durante uma reunião familiar. E ela está chorando.
            - Ok. Cadê as câmeras, tia? – movimentei as minhas mãos de um lado para o outro, e depois caminhei pela sala como se procurasse uma pegadinha escondida.
            - Ana – a senhora falou – eu me chamo Pérola. E ele – agora ela apontava para o cara posudo – chama-se Eduard. Ele é meu filho... e você, bom... você é a minha neta.
Engoli em seco. Eu tenho uma avó e ela não se chama Pérola. E eu tenho um pai, ao menos eu costumava ter.
            - Acho que a senhora está enganada. Meus pais... – olhei para tia Janine pedindo a sua ajuda. Ela baixou a cabeça.
            - Ana, eu sou o seu pai e nós precisamos conversar sobre isso. Nós todos iremos explicar tudo à você. Com calma.
            - Eu acho que vou desmaiar – eu sussurrei perdendo o chão.
E foi exatamente isso o que aconteceu: eu desmaiei.


Quando acordei, estava no meu quarto. Rodeada de almofadas. E a porta estava fechada. O relógio agora marcava nove horas. Não consegui escutar o despertador. Que se dane! Hoje é terça-feira. Hoje é feriado. Eu estava tendo um sonho bem esquisito.
            Alguém bate na porta. Alguém não, a única pessoa que bate na porta antes de entrar nessa casa é tia Janine, então tia Janine bate na porta.
- Tudo bem se entrar, tia – eu disse com a almofada jogada no rosto. – Sabe, eu estava tendo um sonho muito estranho. Eu tenho tido sonhos esquisitos ultimamente. Tinha um cara, um terno de um milhão de dólares, uma velhinha que cheirava a lavanda, os olhos seus olhos duvidosos, o silêncio do tio Pablo.
Eu pude sentir que ela sentou ao meu lado. E passou as mãos nos meus cabelos, mas não falou coisa alguma. Apenas ficou ali: me olhando. O que é estranho para ela. Ok. Resolvo tirar a almofada do rosto e quem está ali não é tia Janine, nem Sofi, nem tio Pablo, é a velhinha que cheira à lavanda.
- Então eu cheiro à lavanda? – ela perguntou sorrindo.
- Tudo bem. Esse sonho pode durar mais do que normalmente sonhos duram – eu disse, cobrindo o rosto mais uma vez.
            A velinha que cheirava a lavanda e durante o sonho disse chamar-se Pérola, retirou a almofada do meu rosto e com os dedos entre os lábios me pediu silencio. Eu poderia gritar, mas algo lá no fundo, pediu que eu confiasse nela.
            - Os Bradston, reinam na Lísia desde o século XVI. Lísia é um país muito, muito, muito distante do Brasil. Tão distante que talvez você nunca tenha ouvido falar. Se você procurar na Mapa, provavelmente não encontrará. Lísia é a minha casa. A casa de seu pai. E foi a casa da sua mãe por algum tempo. É a sua casa. – ela parou por uns segundos, e nesse momento eu pude me sentir com dez anos, quando a professora do primário nos sentava em grandes tapetes e nos contava histórias – O trono passou para muitos tataravós, por dezenas de bisavós, por outros avós, e terminou em seu pai. Eduard, rei de Lísia. Sim, você é uma princesa – ela sorriu – No sentido mais literal da palavra – ela sorriu outra vez.
1) Meu pai está vivo. 2) Minha mãe está morta? 3) Ele é um rei. 4) Eu sou uma princesa?
Permaneci parada, olhando para o teto. Eu não sabia o que falar. Eu não sei se eu deveria falar.
- Se isso não for uma piada, quer dizer, isso tem tudo para ser uma piada, mas se não for... e a minha mãe? E o acidente de carro? – eu pude sentir as lágrimas se formando nos meus olhos.
- Houve o acidente. Alguém tentou matá-los. Alguém tentou matá-la. E Deus poupou a sua vida e a de seu pai, mas sua mãe... sua mãe... infelizmente não resistiu. Então, desta forma, você é a primeira na linhagem de sucessão ao trono.
A minha mãe está morta, eu sou sucessora de um trono? Eu nunca consegui concorrer a líder da turma no ensino médio e de repente a velhinha da lavanda me joga uma bomba dessas, como seu eu não fosse uma pessoa comum. Eu sou uma pessoa comum. Mas a única coisa que me veio à cabeça foi o nome dela. Foi o nome da minha mãe.
- Ela realmente se chamava Helena? – eu engoli.
- Ela realmente se chamava Helena.
Ok. Isso não era uma piada. Não era uma pegadinha. Câmeras não irão descer do teto. Um diretor não irá dizer: corta! Mesmo que eu esperasse que um diretor dissesse.
- E porque eu – uma lágrima desceu – eu não pude saber da verdade?
- Você precisava ficar viva, Ana. E a única forma que conseguimos foi deixando você ficar no Brasil. Forjando a sua morte. Não sabemos por quem o acidente foi provocado, mas sabemos que foi provocado. Você é a sucessora. É nosso dever proteger a sucessora. É o dever de um pai proteger a filha.
- Então acham que eu estou morta? – eu perguntei aflita.
- A maioria. Você sabe, um segredo só pode ser guardado por uma pessoa. Nós já envolvemos muitas nessa história. Eu, o seu pai, sua tia, Álvaro...
- Quem é Álvaro?
- O pai de Lorenzo, rei de Placius.
- E quem é Lorenzo? – Ai meu Deus! Lorenzo por acaso é o meu noivo? Aquele cara que eu fiquei noiva com 7 anos?
- O seu pai precisa explicar essa parte da história.
- Existem outras partes?
- Uma dezena delas – ela disse seguindo até a porta e em seguida indo embora.
Agora já se passava das onze horas. Ninguém mais subiu. Eu estou em jejum. Eu prefiro ficar em jejum agora. Sem estômago. Em menos de 6 horas, eu descobri que (1) a minha mãe foi assassinada numa armadilha a qual deveria levar a minha vida, porque (2) eu sou a primeira na lista de sucessão ao trono e (3) e eu estou noiva de um cara chamado Lorenzo que (4) nunca vi mais gordo.
A luz do corredor estava acessa e eu pude ver um par de pés pela fresta inferior da porta. A porta se movimentou e lá estava ele, o rei Eduard, o meu pai.
- Me dá licença, princesa? – ele perguntou ainda acanhado.
- Ana. Pode me chamar de Ana – eu disse meio sem voz.
- A sua vó já conversou com você, certo?
- Ela disse que você precisa explicar aquela história... do... do carinha.
- Do Lorenzo?
- É. Do Lorenzo.
- Então vamos lá – ele esfregou uma mão na outra como se estivesse pronto par a fazer uma refeição. - Lorenzo é o herdeiro do trono de Placius. Placius e Lísia são dois reinos amigos, com uma aliança em comum: o casamento de vocês. Foi um acordo feito entre os nossos países. Você e Lorenzo. Juntos. A aliança se concretizou na época dos nossos tataravós, e virou uma espécie e tradição. Uma espécie de tradição que foi quebrada por mim e por sua mãe. Por Álvaro e Lavínia.
- Quebrada? Quem é Lavínia?
- Bom, não houveram herdeiros para a nossa geração. Eu nasci para governar Lísia, Álvaro para governar Placius. Dois meninos. Não se poderia cumprir um acordo real nessas condições. Então, casamos com pessoas desvinculadas do trono. Eu conheci sua mãe durante um intercâmbio na Espanha. Nos apaixonamos e nos casamos.
- Uma maluquice. Com o perdão da palavra – ele sorriu.
- Então somos a próxima geração? Então devo casar com um cara o qual não conheço?
- Não entenda como uma imposição. Entenda como uma oportunidade. Nós não obrigaremos vocês a nada.
- Uma oportunidade de acabar com a minha vida?
- Ana! Não quero que me entenda mão.
- Então quer que eu o entenda como?
- Como um pai que sabe que noivados foram feitos para serem rompidos. – ele disse sorrindo e eu pude notar que o sorriso dele também parecia com o meu.
- Isso é uma promessa? – eu peguei em suas mãos.
- Reis não fazem promessas.
- Então o que os reis fazem?
- Eles as cumprem.




# Capítulo 2

Enquanto eu me preparava para receber as meninas, eu pensei que este seria o meu décimo oitavo aniversário sem os meus pais. Não o décimo oitavo aniversário propriamente dito. Mas eu não me lembro deles em nenhum. Eles morreram num acidente de carro, um mês depois de eu completar 3 anos. O destino não deveria fazer isso com a gente. Ninguém deveria ficar órfão aos 3 anos. Ninguém deveria ficar órfão de qualquer maneira. Ninguém está preparado pra ficar.  Foi quando virei a filha postiça da tia Janine.
 Eu não conheci os meus avós paternos, eles também morreram. Morreram antes que eu pudesse nascer. É uma longa e infinita fila de perdas. De pessoas que foram embora – por vontade própria ou não. E quanto aos meus avós maternos, tem o vô Alberto e a vó Lina. O nosso problema é de geografia. Eles moram na região Sul. Nós morávamos lá também. Mas o tio Pablo, marido da tia Janine, teve que mudar-se de cidade pelo emprego. E cá estou eu. Morando em Natal. E cá estou eu no melhor lugar no mundo. Sofi é minha irmã postiça. É a única filha dos meus tios.
Depois de deixar o meu quarto um pouco mais apresentável (mesmo que as meninas já conheçam bem a zona), o meu telefone tocou. Era Arthur.
- Oi, Arthur.
- Boa noite, Ana. Você tá fazendo o quê?
- Preparando umas coisas, as meninas vêm para cá às oito.
- Então eu fui dispensado?
- Não, bem, não é que... bom, você sabe. Nós sempre fazemos isso.
- Como um rito de passagem – ele completou.
- Praticamente – eu disse sorrindo.
- Tudo bem. Te ligo amanhã. Te cuida. Ah! Ana, eu só liguei pra dizer... você sabe, pra desejar um feliz aniversário.
- Ok. Obrigada. Obrigada pelas flores mais uma vez – eu respondi olhando para o relógio.
- A gente costuma fazer essas coisas pra quem a gente gosta – ele disse.
- É. A gente costuma. Até mais – e eu desliguei, dando fim a um papo que qualquer garota gostaria de levar, mas que eu não aguento levar.
Meia hora depois e nós estávamos assistindo a um episódio de New Girl. Exatamente o episódio três da primeira temporada, quando a Ellie está dançando de uma forma hilária na pista.
            - Isso me lembrou que hoje está rolando a balada das baladas e que amanhã é feriado – Hanna comentou.
            - E nós estamos perdendo – Dora completou.
            - Vocês podem ir. Tudo bem por mim – eu disse.
            - Não. Não. Não. O quarteto só funciona sendo o quarteto – Marina falou exasperada.
           - É, Ana. É o quarteto desde sempre. Desde a escola. Desde que eu beijei o primeiro garoto – Dora disse sorrindo.
            - É. Desde a primeira vez em que fiquei bêbada – Hanna agitava as mãos enquanto proferia a frase.
            - Desde a primeira vez que viajamos para Porto Seguro – foi a vez de Marina.
            - Vocês são saudosistas demais – provoquei.
            - A gente deveria ir. Ainda são 10 horas – Hanna sugeriu.
            - Isso! E hoje é o teu aniversário. 18 anos. A gente precisa comemorar. Já cumprimos o ritual. Você já foi oficialmente declarada como uma cidadã maior de idade – Dora falava enquanto puxava o meu braço.
            - E nós já estamos praticamente prontas. Só precisamos de maquiagem e um salto alto. Ok. E mais perfume. – Marina implorou.
            - Vaaaaaamos, Ana! – Elas gritaram e eu senti a casa estremecer.
Eu balançava a cabeça em sinal negativo, fazendo isso mais pela vontade de ser do contra, do que pela vontade de ficar em casa.
            - Você pode estar desperdiçando a chance de encontrar o garoto da sua vida. Ok. Você já tem o Arthur, mas... – Agora Hanna puxava a minha mão.
Encontrar o garoto da minha vida. Um garoto do sorriso que me faça sorrir. Um garoto de olhos cinza. O garoto da biblioteca.
            - A maquiagem está naquela caixa rosa – eu disse sorrindo.
            E todas gritaram. O que eu iria descobrir depois, logo depois, é que: quem procura, acha.


A fileira de carros ocupava não só a rua principal da boate, mas as ruas laterais também. E lá estavam não só todos os alunos da nossa sala, mas todos os alunos da Faculdade. E pensar que todos os alunos da Faculdade poderiam estar ali, me encheu os olhos. Porque talvez, o carinha estaria. Ok. Ok. Foi um sonho, Ana.
- Como assim esgotou, moça? – Marina reclamou com a moça da bilheteria que negava a nossa entrada.
- Eles estão entrando! Todos eles! Você não está vendo? – Hanna disse.
- Eles tem entradas! – A moça respondeu, tentando ser educada.
- Olha, moça, é o seguinte, essa garota aqui – Marina apontava pra mim – completa hoje 18 anos. Você já completou 18 anos alguma vez? Você sabe o quanto nós queremos entrar nessa boate?
- Nós não queremos entrar. Nós precisamos entrar - Hanna completou.
- As entradas esgotaram. Vocês terão que me desculpar.
Dora permanecia calada, apenas observando a cena. Rindo por dentro. Eu também.
            - Olha, moça, eu não quero ser irritante. Mas, você não pode nos colocar para dentro mesmo?
            A recepcionista negou mais uma vez. E continuamos ali sem entradas, sem festa, sem diversão. E agora sem reação, após ver o momento exato que a recepcionista colocou duas pessoas para dentro. Duas pessoas sem ingressos. E antes que ela conseguisse dobrar, Dora se manifestou.
            - Porque eles entraram ser ingresso? – Dora perguntou, ainda calma.
            - Não é como se eu precisasse respondê-la, mas existe uma coisa chamada lista VIP – ela disse sorrindo sarcasticamente e indo embora.
Ok. Nunca. Nunca mesmo desperte a besta arrasadora de Dora.
            - Ok. O seu nome é Marcela, certo? – ela disse enquanto a moça virava de relance - Então, Marcela, me chamo Dora. Dora Stanford para ser mais exata. O meu pai chama-se Edgar Stanford, para ser mais exata ainda. Isso te diz alguma coisa? Bom, se não te dizer nada, então provavelmente a Revista Stanford te lembra. E eu não sei exatamente quantas estrelas essa boate levou na avaliação da revista com repercussão internacional da minha família – ela enfatizou na parte com repercussão internacional da minha família – no ano passado. Mas eu me certificarei pessoalmente, na questão atendimento pessoal, de que ela não receba nenhuma. Nenhuma mera estrela. E claro, não me esquecerei de pedir o Carlos que mencione a educação dos funcionários.
            Eu vi que a moça ruborizou. E que agora tremia. Vi também que os olhos esbugalharam e o sorriso sarcástico sumiu. É diferente quando se está do outro lado da moeda.
            - Desculpe, Senhorita Stanford. Peço desculpas. Houve um erro de comunicação. Pormenores. Estarei lhe guiando para as melhores acomodações, com open bar por conta da casa – ela falou de forma arrastada.
Alguém falou open bar? Open bar é o nome do meio de Dora.
            - Resposta certa – Dora falou, sorrindo docemente e nos puxando em fila indiana.
Hanna sempre foi boa com maquiagem. Marina com cabelos. Eu com sapatos. Dora em nos meter em lugares lotados, mesmo quando as chances são zero.

*********************************************************************************

Nós fomos encaminhados por dois seguranças posudos para a área VIP. Em poucos minutos tínhamos ido do inferno ao céu. Em poucos minutos pulseiras néon foram postas nos nossos pulsos e tivemos toda e qualquer bebida liberada. Dora não era Dora Stanford, embora fosse parecidíssima. As pessoas costumam confundi-las na rua, na Faculdade, em qualquer tipo de evento. Dora era Dora Albuquerque. Dora não conhecia qualquer questão de estrelas em uma revista de cobertura mundial. Dora não se certificaria pessoalmente de nada. Dora tinha ideias brilhantes, mesmo que um tanto irresponsáveis. E o melhor de tudo era: ela nunca se importava com isso. Dora não era Dora Stanford. Dora era melhor.
            Eu bebi pouco. Eu precisava controlar Marina (a única com habilitação no grupo), a única que não poderia cometer a burrada de misturar bebida e direção. E era minha função naquela noite, não deixa-la beber. Era minha função naquela noite não morrer com 18 anos, nem deixa-las morrer com 19.
            Nós saímos por um tempo da área VIP. Possuíamos alguns conhecidos na pista. E fomos para lá. A batida que tocava era de uma música que desconheço. As pessoas estavam alucinadas. Dora e Hanna encontraram uns caras bem vestidos e conhecidos da Faculdade. Dora e Hanna se arranjaram. Eu não poderia fazer isso porque estava num quase-relacionamento e precisava supervisionar Marina.
            A minha função naquela noite não passava de parecer centrada, parecer uma irmã mais velha. E eu quase consegui. Só que, eu vi, por um milésimo de segundos um alguém muito, muito, muito parecido com alguém que eu conhecia. Mas não, não era o carinha da biblioteca. O carinha do sonho. Era o Arthur.
A luz estroboscópica me cegava um pouco, mas sim, era o Arthur. Mas não só o Arthur. O Arthur com alguém. O Arthur – e meu Deus do céu – o Arthur beijando uma garota que não era eu. As minhas pernas me levaram para mais perto, enquanto eu observada aquela cena baixa, suja, revoltante. Lá estava ele, amancebado com uma garota que me pareceu, pelos cabelos, a Bárbara de Comunicação Social. Ai meu Deus! Era a Bárbara de Comunicação Social! Eu pude ver o seu sorriso malicioso enquanto me encarava. Eu pude ver o seu sorriso malicioso enquanto segurava os dedos do Arthur.
Ele ficou meio pálido, mas talvez só fossem as luzes verdes se chocando em sua face. E eu corri. Corri dali. Daquele lugar que me parecia irreal. Que me parecia um pesadelo. Mas ele correu atrás de mim, a Marina correu atrás de mim, Dora correu atrás de mim, Hanna correu atrás de mim. E Bárbara correu atrás de Arthur, ninguém correu atrás de Bárbara. A não ser o melhor amigo do Arthur, o Marquinhos, que a agarrou pelo braço, e deixou Arthur correr sozinho.
O que me fez pensar mais tarde o quanto é triste você correr sozinho. O quanto é triste absolutamente ninguém correr atrás de você.
Nota mental: talvez eu perdoe Bárbara por isso.
            - Ana, Ana, Ana! – Arthur gritava enquanto corria entre as pessoas para me alcançar.
            Eu provavelmente bati em umas duas garotas que me encararam de forma estranha, como se eu tivesse acabado a bebida do bar. Mas eu nem estou bêbada, eu só estou fugindo de um cretino desgraçado, o qual eu nem sei se gosto. O qual, hoje às seis da manhã, antes do dia se tornar dia, me deu flores rosa-chá. Que espécie de garotos dá flores rosa-chá? Isso é tão... morto.
            Ele conseguiu agarrar o meu pulso depois de uns minutos de correria, quando eu esbarrei numa garota “wanna be”, e metade da sua vodca caiu sobre a minha blusa. Ok. Eu fui oficialmente humilhada.
            - Larga o meu braço, Arthur! – eu disse quase gritando.
            - Ana, a gente precisa conversar. Você... o que você viu...
            - O que eu vi foi a merda de um cara sacana fazendo seu papel: ser sacana. – Eu disse puxando o meu braço, usando uma força que eu não tinha.
            - Ana, foi só um beijo. Só um beijo idiota.
            - Ok. Foi só um beijo, Arthur.
            - Não precisa ficar chateada pra sempre. Eu sei que errei. Eu sei que... que fui um idiota... um grande...
            - Um grande idiota. É, você tem razão. Um grande idiota.
            - Nós vamos ficar bem, Ana? Nós vamos, não é?
            - Eu vou ficar bem. Eu estou bem. E obrigada por acabar com isso.
            - Ana... – ele sussurrou tocando os meus dedos.
            - Ah! E da próxima vez que for na casa de uma garota levar flores rosa-chá. Certifique-se se ela gosta goste de flores. Sobretudo de flores rosa-chá.
            As meninas nos alcançaram exacerbadas, e apenas permaneceram ali, em pé do meu lado. Até que eu desejei ver o rosto de Arthur se desmanchar, se transformar num borrão. Mas ele continuou ali, intacto. E eu saí, puxando a mão de Marina até a saída, enquanto Marina puxava Dora e Hanna. Fomos para casa sem falar absolutamente nada. Deixando primeiro Hanna, depois Dora. Quando paramos frente a minha casa, e eu me preparei para descer, Marina tentou pronunciar algo.
            - Espero que você esteja bem – ela disse.
            - Eu estou bem. Você sabe, ele não era o amor da minha vida.
            - Bom, eu sei.
            - Você sabe, com 18 anos a gente também recebe um certificado de aptidão para aceitar um coração partido. – eu disse sorrindo e abrindo a porta do carro.
            - Então vamos procurar um advogado. Eu nunca recebi o meu – ela disse sorrindo.
            Nós ficamos sorrindo por um tempo, enquanto eu encarava a rua.
            - O cara tinha um péssimo gosto para flores. Eu tenho um péssimo gosto para caras. Talvez estejamos quites.
            - Deixe de besteira, Ana – ela suspirou. Encarando a rua também.
E eu saí. Enquanto ela ficou esperando que eu entrasse sem cair no choro. Mas eu não iria cair no choro. Não agora. Não no banho. Eu não gostava do Arthur para ser sincera. Quer dizer, eu gostava. Mas não como se deve gostar de um quase-namorado. E no final da história, no fim das contas, a Bárbara de Comunicação Social me fez um favor: ter dado fim ao que já tinha fim.  


O resumo do resumo: quem procura realmente acha. Mas você não pode escolher o quê. 

segunda-feira, 12 de maio de 2014

# Capítulo 1


Ok. Alguém poderia montar um decreto. Quem faz as leis? O poder Legislativo, certo? Bom, o poder legislativo bem que poderia criar uma lei: se você ama as pessoas, deixe-as dormir, ou, o dia só começará após as 09:00 horas. Um ser humano não pode ser feliz antes disso.
São seis da manhã de uma segunda-feira. E hoje eu completo 18 anos. Quem merece completar 18 anos numa manhã de segunda-feira? É uma furada. É o presente mais furado do mundo. Ok. Eu estava tendo um bom presente. Eu estava tendo o melhor sonho dos últimos 18 anos. Até que aquele cara lindo se transformou no meu despertador verde água tocando sobre a minha escrivaninha. Então aquele cara lindo transformou-se numa segunda-feira. Numa segunda-feira barulhenta.
Alguém resolveu começar uma construção em frente ao prédio em que moro. Estão construindo outro maldito prédio e fazendo um barulho ensurdecedor. São marteladas, gritos, machadadas, argamassa sendo misturada.
Resolvo ficar jogada na cama por mais cinco minutos. A rede wifi da casa poderia até ser boa, mas Sofi, todos os dias compartilha a senha com o resto dos vizinhos. E bom, como fiel escudeira, modifico-a todos os dias também. Quando o Facebook caí, e os meus tweets estão virando rascunho, eu sei que Sofi já espalhou a senha para metade da população de Natal. E nem é natal ainda.
Tudo bem. Hora de encarar a realidade. 18 anos. Os meus olhos ainda estão meio fechados enquanto coloco os pés no chão e calço as pantufas do Homer Simpson. Eu me dirijo até o banheiro, puxando da cadeira de acrílico roxa o meu roupão de bolinhas, e desprendo da gaveta a minha touca de banho. Não posso molhá-lo. Passei duas horas fazendo cachos artificiais nessa coisa escorrida e sem graça que a minha boa e velha genética me deu. Não ficou tão ruim assim, ao menos não a parte a qual não dormi por cima.
A água está gelada. Muito gelada. Os meus dedos pendem quando as primeiras gotas caem sobre eles. Ufa! Vamos por partes, Ana. Primeiro as mãos. Molho-as, como se estivesse apresentando-as para água. Agora já estou mais ambientalizada. Tudo bem, talvez eu não tome um choque térmico. Ou talvez eu tome. Mas que se dane.
Depois que entro no chuveiro e faço um malabarismo inacreditável para que não respingue água nos meus cabelos, relembro o meu sonho. Eu não sabia que o meu subconsciente, ou sei lá, a minha imaginação poderia criar um cara tão, tão, tão bonito. E não era só a beleza. Ele também tinha um humor leve. Eu pude notar. Ele era meio biruta, é claro, mas ele era uma ilusão. E ilusões tem que ser birutas. Como o Chapeleiro Maluco em “Alice no País das Maravilhas”, ele era uma ilusão e tudo era um sonho.
Anastácia. Então eu tenho um nome de princesa. Digo mais, de uma princesa perdida. É bem interessante se eu tivesse algum tempo para ligar pra isso. Mas, eu estou afogada nas matérias da faculdade e num meio de um relacionamento barco-furado, que nem pode ser chamado de relacionamento. Qual é o nome mesmo daquele tipo de relacionamento que não é um relacionamento, mas não deixa de ser um relacionamento?
Mas que eu gostaria de conhecer um carinha daqueles nesse mundo aqui, isso eu queria.
- Ana! Ana! Vai se atrasar pro café! – tia Janine gritava lá fora. Bem do lado da minha porta. Ela tem essa coisa ética de nunca entrar no quarto de alguém sem ter sido convidada. Eu acho isso bonito.
- Estou saindo do banho! Um minuto – é a minha vez de gritar.
Procuro pelo banheiro a minha sandalinha Melissa azul, que tem escrito Peace prateado. Eu ganhei da Sofi no meu aniversário do ano passado. A moral da história é que ela não sabia o que significava Peace, ela só gostou da cor. Azul também é minha cor preferida. Caminho até a porta retirando a touca e soltando os meus cabelos sobre o roupão. Esqueci que a estava fechada por chave, decidi fazer isso nessa noite porque no meu aniversário do ano passado, Sofi também me deu de presente uma grande surpresa, foram dois dias para tirar aquela pasta melecada do meu cabelo. Aquele tipo de pasta melecada que as professoras usam no primário para acalmar as crianças enquanto elas fazem cachorros que mais parecem com, sei lá, com nada. E, cá entre nós, eu odeio surpresas.
- Oi, tia! Desculpe a demora. Estava no banho. – eu falei corando, porque não era só a minha tia, era Arthur também. O segundo cara mais bonito da Faculdade. O meu relacionamento que na verdade, não era um relacionamento. E claro, não era apenas minha tia e Arthur, havia também do lado esquerdo um enorme buquê de rosas cor rosa-chá. Elas me fizeram pensar por um segundo, que talvez o que quase-relacionamento havia virado um relacionamento.
- Surpresa! – eles gritaram.
            Adeus dia feliz. Adeus cara do sonho. Adeus mais 15 minutos estendida sobre a minha cama, lendo as atualizações do Facebook. Agora eu preciso desmaiar. Fechei a porta na cara dos dois. Bom, foi instinto. Uma reação da época dos parentes primatas. Bati a porta e abri 5 minutos depois.
            - Sur-pre-sa – foi a minha vez de dizer, meio atônita, meio morta, meio sem reação, e perdida por inteiro.
Bom, é exatamente por essas e outras que odeio surpresas: eu não sei como agir depois delas.
Eu estava mastigando o meu cereal em piloto automático, enquanto a minha tia corria pela casa com Sofi a procura de um vaso. E logo depois, a procura de um bom lugar para colocá-lo. Eu sugeri o piano. Era longe da cozinha, e eu precisava conversar com Arthur. Ou eu poderia bater a porta outra vez na cara dele. Era uma opção cogitada. Eu só precisaria de uma porta.
- Eu não entendi o motivo das flores – eu disse mexendo na jarra de leite.
- Eu não entendi a porta na minha cara – ele respondeu sorrindo.
- Eu não entendi a tua presença – eu disse puxando mais cereal para a vasilha.
- Eu não entendi a renegação dela – ele rebateu.
- Eu não entendi porque não saímos do “eu não entendi”. – eu disse sentando ao seu lado.
- Eu não entendi o porquê de você ainda não ter encontrado uma solução para sair disso  – ele disse, me beijando. – Feliz aniversário, Ana.
- Obrigada pelas flores – eu respondi escapando do beijo. Eu não gosto de flores. Elas me lembram enterros.
- Obrigada por abrir a porta.
- Ok. Sem outro jogo. Estamos atrasados.
- Então vocês estão juntos de vez? Juntos pra valer? Tipo juntos-juntos? – Dora praticamente gritava, enquanto os outros alunos entravam na sala e ocupavam os seus lugares, logo depois, Hanna e Marina aproximavam-se das nossas cadeiras.
- Não, Dora. Nós, bom, nós não estamos... você sabe, nós não estamos namorando – eu sussurrei.
- E ele sabe disso, certo? – Mariana indagou, enquanto roubou um dos bolinhos que Dora estava comendo, e sentou-se do meu lado.
- Bom, ele deve saber.  Eu não sei se sou, como é mesmo a palavra? Ah! Namorável. Eu não sei se sou uma garota namorável.
As garotas reviraram os olhos enquanto em uníssono falaram: - O cara te deu flores!
            - Ok. Ninguém precisa canonizar o Arthur porque ele me deu flores. São só flores.
            - São só flores! – imitou Hanna e continuou - Você faz ideia de qual foi a última vez que eu ganhei flores na minha vida?
Eu, Marina e Dora nos entreolhamos porque Hanna nunca havia namorado. Ok. Alguns carinhas apareciam na casa dela, mas nunca ocorreu um “quer namorar comigo?”. E eu sei o quanto ela odeia isso.
            - Isso mesmo: nunca, senhorita Ana. Nunquinha.
         - Hanna, chega de lamentações. O seu último quase-namorado era meio... você sabe... – Marina sussurrou.
            - Meio gay – Dora disse.
Hanna fechou a cara. Mas nós sabemos que o cara era meio gay. Ele tinha dois cachorros. Tudo bem um cara ter cachorros. Mas não dois cachorros chamados: Dolce & Gabbana.
- Ei, como assim estamos conversando há décadas e ainda não te abraçamos? – Então as meninas sorriram e me deram as felicitações. Eu fiquei meio sem graça, porque, eu não queria que o resto das pessoas soubessem do meu aniversário. É realmente horrível completar 18 anos numa segunda-feira.  
O resto do dia passou assim: depois das últimas aulas, entrei no banheiro, desliguei o celular e esperei Dora, Hanna e Marina sumirem. Eu as veria às oito, para fazermos o que sempre fazemos nos nossos aniversários: comer. Depois segui para a biblioteca. Refazendo todo o processo do meu sonho. Só que ao invés de dois livros, eu devolvi apenas um. E desta vez – apenas desta vez, acho que como presente de aniversário – não paguei multa. Depois segui para as cabines dos computadores. Todos estavam ocupados, mas a garota ruiva de botas vermelhas não estava na última cabine, e sim, um cara que me lembrou de Wood Allen e que tempos depois, notei ser o professor de Direito Penal da Faculdade. Observei então a pessoa ao seu lado, mas não era um cara bonitão de olhos cinza, era uma garotinha de cabelos curtos e tatuagem. Só uma garotinha. Ok. Foi um sonho, Ana. Não era como se eu esperasse encontrar ele aqui. Ok. É como se eu esperasse.
Passei mais uns dez minutos ali, parada feito uma estátua. Como se estivesse de castigo. Até a ficha cair de verdade. O cara bonitão não iria aparecer, ele não iria sorrir daquele modo sacana. Ele não iria piscar os seus olhos cinza cintilantes. Ele não era real.
Então fui para casa, com o celular ainda desligado, dessa vez caminhando. Caminhar é a forma organizo os meus pensamentos. Caminhar é pensar com as pernas.

# Prólogo - 1

Você deve saber que depois de fechar os olhos, ouvir o ronronar dos gatos no telhado, e adormecer, com as mãos equiparadas e as pernas estendidas pela cama: os sonhos vêm. Sem explicações plausíveis, sonha-se. Não são necessárias fórmulas para sonhar. Um, dois, três segundos depois, estamos submersos, às vezes por pessoas que se foram, por oportunidades perdidas, por amor, por amizades, ou por aquilo que a gente espera, lá no fundo. Meio possível, meio impossível. E foi assim que tudo começou. E foi aqui, o começo e o fim.
De repente, eu me vi na biblioteca da minha faculdade, carregando dois livros, e logo depois recebendo uma espécie de boleto por multa da biblioteca. Até aí: ok. Eu sempre carrego livros, eu sempre pago multa da biblioteca. É tão normal como beber água. Então eu sigo para as bancadas de computadores, e algo vem na minha cabeça repentinamente: esqueci de fazer um trabalho. Isso também é tão normal como beber água.
As bancadas estão ocupadas. Eu as conto de uma à uma. Até que eventualmente uma garota ruiva de botas vermelhas (o que me pareceu demasiadamente estranho), desocupa um dos computadores e passa por mim, saindo da biblioteca logo depois. Ok. Eu me senti uma garota de sorte. Nem tudo estava perdido. Corri até lá e por correr, recebi uma advertência da bibliotecária. Eu mal sabia que se recebia advertências quando se estava na faculdade: eu estava errada. Liguei o computador e acessei o Google. Informação errada. Na verdade, vendo de outro ponto, o computador já estava ligado, assim como a janela do Google já estava aberta.
            Estava pesquisando sobre um transtorno pós-vacinação, e precisava utilizar palavras-chaves. Então eu disse:
            - Como eu odeio pesquisar palavras-chaves!
E de repente, um cara (na verdade “o cara”), virou-se da bancada do meu lado e disse sorrindo:
            - Eu odeio pesquisar qualquer coisa.
Ok. Ele era alto. Eu podia perceber. Mal cabia na cadeira. E tinha um corpo estilo meio termo. Não era magro, não era musculoso. Era perfeito. Era a medida certa. Ele usava uma blusa branca e tinha olhos cinza claros. E não eram quaisquer olhos cinza-claros. Eram olhos cinza-claros que cintilavam. E quem mais tem olhos cinza-claros que cintilam? Ok. Eu precisava contra-atacar. Eu precisava ver outra vez aquele sorriso que começava da bochecha esquerda e logo depois enchia a boca. Um sorriso um tanto sacana. Um sorriso que me fez sorrir.
            - Como é teu nome? – ele perguntou, enquanto batucava o meu caderno sobre as minhas pernas.
            - Ana – respondi ficando vermelha.
            - An-na – ele pronunciou o meu nome de uma forma estranha, com um sotaque meio escocês, meio francês.
            - Ana de Anastácia. Mas ninguém me chama de Anastácia. Eu só estou explicando isso agora – meu Deus eu estou falando descontroladamente.Calma, Ana. – porque eu sempre sou questionada depois. Então, seria chato daqui há uns trinta minutos você me perguntar: Só Ana?
Ele sorriu daquele jeito outra vez. Daquele jeito que ninguém mais conseguiria sorrir. Daquele jeito que ninguém mais conseguiria me tirar um sorriso.
            - Anastácia! Como a princesa perdida? – ele perguntou, enquanto se transformava num borrão, numa mancha escura. Numa mancha sem face.
            - Oi? – eu perguntei, enquanto os seus dentes brancos ainda pairavam na minha frente. E então tudo ficou escuro, tudo ficou preto. E eu pude ouvir o meu despertador alarmar. Eu pude ouvir o meu despertador dando fim ao que não deveria ter tido um fim.
 
 

. Copyright © 2012 Design by Antonia Sundrani Vinte e poucos