segunda-feira, 12 de maio de 2014

# Capítulo 1


Ok. Alguém poderia montar um decreto. Quem faz as leis? O poder Legislativo, certo? Bom, o poder legislativo bem que poderia criar uma lei: se você ama as pessoas, deixe-as dormir, ou, o dia só começará após as 09:00 horas. Um ser humano não pode ser feliz antes disso.
São seis da manhã de uma segunda-feira. E hoje eu completo 18 anos. Quem merece completar 18 anos numa manhã de segunda-feira? É uma furada. É o presente mais furado do mundo. Ok. Eu estava tendo um bom presente. Eu estava tendo o melhor sonho dos últimos 18 anos. Até que aquele cara lindo se transformou no meu despertador verde água tocando sobre a minha escrivaninha. Então aquele cara lindo transformou-se numa segunda-feira. Numa segunda-feira barulhenta.
Alguém resolveu começar uma construção em frente ao prédio em que moro. Estão construindo outro maldito prédio e fazendo um barulho ensurdecedor. São marteladas, gritos, machadadas, argamassa sendo misturada.
Resolvo ficar jogada na cama por mais cinco minutos. A rede wifi da casa poderia até ser boa, mas Sofi, todos os dias compartilha a senha com o resto dos vizinhos. E bom, como fiel escudeira, modifico-a todos os dias também. Quando o Facebook caí, e os meus tweets estão virando rascunho, eu sei que Sofi já espalhou a senha para metade da população de Natal. E nem é natal ainda.
Tudo bem. Hora de encarar a realidade. 18 anos. Os meus olhos ainda estão meio fechados enquanto coloco os pés no chão e calço as pantufas do Homer Simpson. Eu me dirijo até o banheiro, puxando da cadeira de acrílico roxa o meu roupão de bolinhas, e desprendo da gaveta a minha touca de banho. Não posso molhá-lo. Passei duas horas fazendo cachos artificiais nessa coisa escorrida e sem graça que a minha boa e velha genética me deu. Não ficou tão ruim assim, ao menos não a parte a qual não dormi por cima.
A água está gelada. Muito gelada. Os meus dedos pendem quando as primeiras gotas caem sobre eles. Ufa! Vamos por partes, Ana. Primeiro as mãos. Molho-as, como se estivesse apresentando-as para água. Agora já estou mais ambientalizada. Tudo bem, talvez eu não tome um choque térmico. Ou talvez eu tome. Mas que se dane.
Depois que entro no chuveiro e faço um malabarismo inacreditável para que não respingue água nos meus cabelos, relembro o meu sonho. Eu não sabia que o meu subconsciente, ou sei lá, a minha imaginação poderia criar um cara tão, tão, tão bonito. E não era só a beleza. Ele também tinha um humor leve. Eu pude notar. Ele era meio biruta, é claro, mas ele era uma ilusão. E ilusões tem que ser birutas. Como o Chapeleiro Maluco em “Alice no País das Maravilhas”, ele era uma ilusão e tudo era um sonho.
Anastácia. Então eu tenho um nome de princesa. Digo mais, de uma princesa perdida. É bem interessante se eu tivesse algum tempo para ligar pra isso. Mas, eu estou afogada nas matérias da faculdade e num meio de um relacionamento barco-furado, que nem pode ser chamado de relacionamento. Qual é o nome mesmo daquele tipo de relacionamento que não é um relacionamento, mas não deixa de ser um relacionamento?
Mas que eu gostaria de conhecer um carinha daqueles nesse mundo aqui, isso eu queria.
- Ana! Ana! Vai se atrasar pro café! – tia Janine gritava lá fora. Bem do lado da minha porta. Ela tem essa coisa ética de nunca entrar no quarto de alguém sem ter sido convidada. Eu acho isso bonito.
- Estou saindo do banho! Um minuto – é a minha vez de gritar.
Procuro pelo banheiro a minha sandalinha Melissa azul, que tem escrito Peace prateado. Eu ganhei da Sofi no meu aniversário do ano passado. A moral da história é que ela não sabia o que significava Peace, ela só gostou da cor. Azul também é minha cor preferida. Caminho até a porta retirando a touca e soltando os meus cabelos sobre o roupão. Esqueci que a estava fechada por chave, decidi fazer isso nessa noite porque no meu aniversário do ano passado, Sofi também me deu de presente uma grande surpresa, foram dois dias para tirar aquela pasta melecada do meu cabelo. Aquele tipo de pasta melecada que as professoras usam no primário para acalmar as crianças enquanto elas fazem cachorros que mais parecem com, sei lá, com nada. E, cá entre nós, eu odeio surpresas.
- Oi, tia! Desculpe a demora. Estava no banho. – eu falei corando, porque não era só a minha tia, era Arthur também. O segundo cara mais bonito da Faculdade. O meu relacionamento que na verdade, não era um relacionamento. E claro, não era apenas minha tia e Arthur, havia também do lado esquerdo um enorme buquê de rosas cor rosa-chá. Elas me fizeram pensar por um segundo, que talvez o que quase-relacionamento havia virado um relacionamento.
- Surpresa! – eles gritaram.
            Adeus dia feliz. Adeus cara do sonho. Adeus mais 15 minutos estendida sobre a minha cama, lendo as atualizações do Facebook. Agora eu preciso desmaiar. Fechei a porta na cara dos dois. Bom, foi instinto. Uma reação da época dos parentes primatas. Bati a porta e abri 5 minutos depois.
            - Sur-pre-sa – foi a minha vez de dizer, meio atônita, meio morta, meio sem reação, e perdida por inteiro.
Bom, é exatamente por essas e outras que odeio surpresas: eu não sei como agir depois delas.
Eu estava mastigando o meu cereal em piloto automático, enquanto a minha tia corria pela casa com Sofi a procura de um vaso. E logo depois, a procura de um bom lugar para colocá-lo. Eu sugeri o piano. Era longe da cozinha, e eu precisava conversar com Arthur. Ou eu poderia bater a porta outra vez na cara dele. Era uma opção cogitada. Eu só precisaria de uma porta.
- Eu não entendi o motivo das flores – eu disse mexendo na jarra de leite.
- Eu não entendi a porta na minha cara – ele respondeu sorrindo.
- Eu não entendi a tua presença – eu disse puxando mais cereal para a vasilha.
- Eu não entendi a renegação dela – ele rebateu.
- Eu não entendi porque não saímos do “eu não entendi”. – eu disse sentando ao seu lado.
- Eu não entendi o porquê de você ainda não ter encontrado uma solução para sair disso  – ele disse, me beijando. – Feliz aniversário, Ana.
- Obrigada pelas flores – eu respondi escapando do beijo. Eu não gosto de flores. Elas me lembram enterros.
- Obrigada por abrir a porta.
- Ok. Sem outro jogo. Estamos atrasados.
- Então vocês estão juntos de vez? Juntos pra valer? Tipo juntos-juntos? – Dora praticamente gritava, enquanto os outros alunos entravam na sala e ocupavam os seus lugares, logo depois, Hanna e Marina aproximavam-se das nossas cadeiras.
- Não, Dora. Nós, bom, nós não estamos... você sabe, nós não estamos namorando – eu sussurrei.
- E ele sabe disso, certo? – Mariana indagou, enquanto roubou um dos bolinhos que Dora estava comendo, e sentou-se do meu lado.
- Bom, ele deve saber.  Eu não sei se sou, como é mesmo a palavra? Ah! Namorável. Eu não sei se sou uma garota namorável.
As garotas reviraram os olhos enquanto em uníssono falaram: - O cara te deu flores!
            - Ok. Ninguém precisa canonizar o Arthur porque ele me deu flores. São só flores.
            - São só flores! – imitou Hanna e continuou - Você faz ideia de qual foi a última vez que eu ganhei flores na minha vida?
Eu, Marina e Dora nos entreolhamos porque Hanna nunca havia namorado. Ok. Alguns carinhas apareciam na casa dela, mas nunca ocorreu um “quer namorar comigo?”. E eu sei o quanto ela odeia isso.
            - Isso mesmo: nunca, senhorita Ana. Nunquinha.
         - Hanna, chega de lamentações. O seu último quase-namorado era meio... você sabe... – Marina sussurrou.
            - Meio gay – Dora disse.
Hanna fechou a cara. Mas nós sabemos que o cara era meio gay. Ele tinha dois cachorros. Tudo bem um cara ter cachorros. Mas não dois cachorros chamados: Dolce & Gabbana.
- Ei, como assim estamos conversando há décadas e ainda não te abraçamos? – Então as meninas sorriram e me deram as felicitações. Eu fiquei meio sem graça, porque, eu não queria que o resto das pessoas soubessem do meu aniversário. É realmente horrível completar 18 anos numa segunda-feira.  
O resto do dia passou assim: depois das últimas aulas, entrei no banheiro, desliguei o celular e esperei Dora, Hanna e Marina sumirem. Eu as veria às oito, para fazermos o que sempre fazemos nos nossos aniversários: comer. Depois segui para a biblioteca. Refazendo todo o processo do meu sonho. Só que ao invés de dois livros, eu devolvi apenas um. E desta vez – apenas desta vez, acho que como presente de aniversário – não paguei multa. Depois segui para as cabines dos computadores. Todos estavam ocupados, mas a garota ruiva de botas vermelhas não estava na última cabine, e sim, um cara que me lembrou de Wood Allen e que tempos depois, notei ser o professor de Direito Penal da Faculdade. Observei então a pessoa ao seu lado, mas não era um cara bonitão de olhos cinza, era uma garotinha de cabelos curtos e tatuagem. Só uma garotinha. Ok. Foi um sonho, Ana. Não era como se eu esperasse encontrar ele aqui. Ok. É como se eu esperasse.
Passei mais uns dez minutos ali, parada feito uma estátua. Como se estivesse de castigo. Até a ficha cair de verdade. O cara bonitão não iria aparecer, ele não iria sorrir daquele modo sacana. Ele não iria piscar os seus olhos cinza cintilantes. Ele não era real.
Então fui para casa, com o celular ainda desligado, dessa vez caminhando. Caminhar é a forma organizo os meus pensamentos. Caminhar é pensar com as pernas.

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