sexta-feira, 27 de junho de 2014

# Capítulo 10


Passei a madrugada inteira tentando pensar numa boa maneira de iniciar um texto, um discurso, uma apresentação. Passei a madrugada inteira achando que talvez eu tenha sido agraciada com todo azar e falta de talento do universo, porque não saiu uma única linha. Peguei no sono entre as três e quatro da manhã.
          O despertador começou a alarmar as nove em ponto. E lá estava eu lutando contra a preguiça matinal e contra os raios solares que invadiam o quarto. Tudo bem, eu não funciono pela manhã. Eu tento convencer o meu relógio biológico de que ainda não posso sancionar uma lei, mas que estou trabalhando para que isso aconteça. Ao meu lado está o papel de ontem, completamente amassado. Eu devo ter dormido por cima dele uma boa parte da noite. Nele está escrito em letras curvadas e pontiagudas “Aqui jaz a minha falta de criatividade”. E bom, eu não posso começar um discurso assim.
            Depois de um banho demorado na banheira, usando uns sais que encontrei no armário da pia, e de estar vestida com um vestido verde água, estou penteando os cabelos na frente do espelho. Os prendo em uma espécie de coque-clean-bem-engraçado que a gente costumava fazer no ensino médio porque nós achávamos casual e sexy. Como éramos inocentes. Os meus olhos estavam bem apagados, até passar um pouco de delineador. E finalmente, eu poderia descer. Hoje não fazia frio. Hoje tinha sol. Eu poderia entrar no lago.
            Quando eu cheguei a mesa, depois de descer as longas escadas e passar um certo tempo encarando a tela da mamãe, perguntando-me onde estariam todos os vídeos caseiros que Papai comentou no primeiro dia, vejo que apenas ele está ali. Sentando. Com um jornal na mão. E lembro que nós não conversamos direito desde que eu cheguei. Olga me explicou que ele está muito ocupado com toda essa anunciação do reino, cuidando da minha segurança, e de “negócios de estado”.
            Ele me viu entrar e seus olhos saltitaram, brilharam, os seus olhos ficaram felizes.
            - Ana – ele disse enquanto se levantada para me dar um abraço.
            - Majestade – eu disse em tom de brincadeira, abraçando-o de volta.
           - Eu estive ocupado demais, Ana. Desculpe se me desliguei de você esses dias – ele puxou a cadeira para que eu sentasse, agradeci com um sorriso.
            - Eu entendo. Você deve ter as suas responsabilidades... e agora, tem essa apresentação. Olga me explicou.
            - Olga sempre me salvando.
            - Nos salvando! Onde está vovó?
        Assim que a pergunta saiu da minha boca. Vovó entrou na sala acompanhada de Lorenzo. Ela segurava seu braço. E eles sorriam. Eu sorri por eles estarem sorrindo.
            - Qual é a piada? – papai perguntou rindo.
         - Óh! A curiosidade matou o gato, Eduard! – vovó disse enquanto batia no ombro de papai e Lorenzo puxava-lhe a cadeira. Antes de sentar-se ela me envolveu com um abraço.
            - Ana! – A voz de Lorenzo estava mais sonora hoje. Como se ele tivesse praticado francês há poucos minutos e as palavras ainda saíssem de sua boca.
            - Lorenzo! – eu disse sem olhar para ele.
            - E onde estarão os outros, vovó?
            - Todos tomaram o café da manhã bem cedo. Foram cavalgar. Elisa, Jorge e Laura.
Lorenzo engoliu em seco. Eu pude ver. Eu não sou cega. Sempre que Laura aparece ou o seu nome é pronunciado, Lorenzo engole em seco. Então, matematicamente eu tinha a pá, e a terra estava basicamente mexida, se eu tivesse coragem, eu poderia cavar. E eu poderia vender coragem, se ela pudesse ser vendida em frascos.
- Lorenzo, eu gostaria de ir até o lago, você poderia me acompanhar? – eu disse enquanto tomava uma torrada de morango nas mãos.
- Certamente – ele me olhou com os olhos estreitos, como um gato preste a atacar à presa.
Mas o gato da história sou eu.
- Mas ele mal comeu, Ana – vovó gostava de ver as pessoas comendo.
- Eu não estou com tanta fome, Sra. Pérola. Eu também levarei uma torrada de morango.
- Não precisam se preocupar com comida. Me certificarei de enviar um cesta de piquenique – meu pai findou a conversa e nós saímos andando, muito agradecidos. Eu bem mais.
Mas eu pude ouvir antes de fecharmos a porta, e aposto que Lorenzo também um “Acho que teremos um casamento” espalhar-se pelo ar.
Quando chegamos a sala de estar, pedi um tempo, precisava ir ao meu quarto pegar algo. Algo que eu planejava usar há muito tempo.


Quando pus os pés com a respiração ofegante novamente na sala de estar, Lorenzo estava sentado num dos sofás cor de marfim. Me encarando com o mesmo olhar de sempre. O mesmo olhar que me deixava maluca.
            - Então qual é o plano, Princesa?
            - Ora, não pense que está perdoado por ontem.
E saí sorrindo, sentindo os seus passos logo atrás de mim.
Assim que saímos do castelo e pude sentir o sol penetrar a minha pele, eu saí em disparada em direção ao lago. O que espantou um pouco os funcionários que trabalhavam no jardim. Corri como se tivesse 7 anos. Eu já estava perto do lago quando olhei para trás sorrindo e Lorenzo não tinha saído do lugar. “Você vai vir ou o quê?” – eu perguntei gritando. Ele revirou os olhos, baixou a cabeça e esfregou as mãos nas têmporas. E depois foi a vez dele sair correndo como se tivesse 7 anos.
Correndo na minha direção.
Correndo na minha direção, tropeçando numa pedra e terminando caindo exatamente sobre mim.
Nós gargalhamos por muito tempo. Nós ficamos um sobre o outro por mais tempo ainda.
            Até que ele disse uma coisa que me fez pensar por longas horas logo depois da cena chegar ao fim.
            - Eu tinha esquecido como era – ele disse puxando um fio dos meus cabelos dos meus lábios.
            E eu não precisei mais me importar com as pessoas nos olhando.
            - Esquecido como era o quê? – minha respiração estava incontrolavelmente ofegante.
            - Sorrir assim.
Então ele caiu ao meu lado. E fiquei ali parada, tentando entender o sentimento que crescia no meu coração e acabara de invadir a minha barriga em formato de borboletas. Ele também estava parado. Esperando que eu falasse alguma coisa. Esperando uma resposta. Mas eu não podia dar uma resposta para aquilo. Eu não tinha uma resposta para aquilo.
Eu só podia levantar, caminhar até o lago e não ficar vermelha depois de notar que nós havíamos chamado atenção de boa parte do castelo. E foi exatamente isso o que fiz.
Não demorou muito até ele me acompanhar. Ele havia tirado os sapatos. Eu pude ver quando ele sentou ao meu lado. Ele tinha pés tão bonitos, tão brancos, quase transparentes. Eu poderia contar a microvascularidades azuis que surgiam na sua pele, eu podia imaginar um oceano, eu até imagine peixes nadando. Ele fez o que sempre faz, começou a jogar pedrinhas no lago. As pedrinhas fizeram o que sempre fazem, quicaram, quicaram e afundaram. Eu fiz o que eu sempre faço, ficar em silêncio.
- Então, o que você queria me chamando para cá? – ele pigarreou.
Eu havia esquecido o verdadeiro objetivo dessa vinda para cá. O que um esbarrão não faz com a gente, hein!
- O que você acha? – fiquei de pé, caminhei até a margem do lago e tirei o vestido. Seria muito aventureiro dizer que estava completamente nua. Imaginem só as manchetes nos jornais. Mas não, estava de biquíni. – Vai ou fica? – eu disse virando para Lorenzo, e eu quase caí numa crise de risos. Ele estava basicamente sem ideia do que eu estava fazendo.
- O seu pai não vai gostar nada disso. – ele disse sorrindo feito bobo, ele disse com os olhos ainda serrados.
- Não é como você fosse ser enforcado.
Então eu mergulhei no lago. E ele mergulhou atrás de mim.
- Você não pode induzir as pessoas ao erro, Ana. Isso é feio – ele jogava gotículas de água no meu rosto.
Eu gosto de ser prática, então praticamente joguei o lago na cara dele. E depois afundei-lhe a cabeça. Ele retornou sem ar, eu continuava sorrindo.
- Ana! Eles podem retornar com a pena de enforcamento quando você mata um futuro rei. – ele disse tentando boiar na água.
- Eu só estava brincando. Afundar a cabeça dentro d’água faz parte. Ninguém aqui queria te matar.
- Eu não me refiro a me afogar no lago.
- E então se refere a quê?
- Ora! Me refiro a esse biquíni.
E foi a vez dele afundar a minha cabeça dentro d’água.
E nós ficamos ali. Naquela água que hoje estava morninha. Sendo regados pela luz solar. E basicamente encarando o flerte do outro. Era visível, só a gente não podia ver, que a gente se gostava de alguma forma.
Assim que uma das funcionárias – que eu soube chamar-se Rosa – apareceu na margem deixando a nossa cesta de piqueniques e toalhas, saímos do lago. Eu optei por tomar suco de laranja, e Lorenzo escolheu um pote que continha uma espécie de doce que era famoso em Lísia, eu experimente e achei muito parecido com Mousse de manga. Isso me fez lembrar como eu sinto falta do Mousse de manga da tia Janine.
Enquanto ele saboreava o doce em compota, eu pude ver entrando com botas vermelhas – as botas vermelhas de sempre – Laura. E ela estava olhando para gente. Eu só não sabia há quanto tempo. E foi mais ou menos aí que eu resolvi desenrolar a pauta que me fez chamar Lorenzo ao lago.
- Qual é a tua e a da Laura? – perguntei enquanto roubei uma colherada do doce-vulgo-mousse-manga.
Lorenzo engoliu em seco. Eu esperava que ele engolisse.
- Laura é... bom, ela é tipo... ah sei lá, Ana.
- Sei lá, Ana? É claro e evidente como a presença de Laura te deixa desconfortável. Ela aprontou alguma com você em Placius? Vocês eram inimigos? Vocês são?
- Não é bem isso.
- E o que é?
Ele olhou para mim, meio que pedindo socorro.
- Acho que isso não interessa mais, Ana.
- Me interessa.
- Te interessa?
- É, Lorenzo. Me interessa.
- Por que te interessa?
- Porque me incomoda te ver assim.
Eu esperei alguma expressão que me fizesse pensar que tudo aquilo era paranoia, mas não encontrei. 
- Ok, Ana. É ela. A Laura.
- Eu sei que ela é a Laura.
Daí eu lembrei da nossa primeira conversa. Então a minha ficha caiu. “Quem disse que eu nunca me apaixonei de verdade?”.
E foi a minha vez de engolir em seco.


Nas primeiras horas da tarde, após o almoço tentando não encarar Laura e Lorenzo, me vi pensando no que havia acontecido no jardim. Em como exclusivamente naquele dia havia nascido um sol tão quente como nos tempos de verão. Pensei no convite que fiz à Lorenzo de irmos até o lago. Pensei no nosso esbarrão, nele retirando o cabelo do meu rosto. Lembrei do sorriso, de como os seus cabelos loiros misturam-se bem com os seus cílios cor de prata. Notei que os seus olhos estavam mais cintilantes, e o meu coração mais acelerado.
Quando o relógio badalou quatro horas e Olga veio me chamar para a sala de leitura para a primeira prova do meu vestido, eu sabia que Lorenzo também estaria lá. Fazendo a primeira prova de seja lá o que ele usará no cerimonial de apresentação. Então respirei fundo e fui. Rezando para Deus me poupasse de encontra-lo. Acho que Deus provavelmente estava muito ocupado com orações mais grandiosas do que a minha mera oração de indecisão sentimental. Porque lá estava Lorenzo sobre uma plataforma em formato oval com três mulheres alfinetando as suas pernas. Coitado.
Ao adentrar a sala tentando ignorar Lorenzo, cumprimentei a estilista que segurava um longo quadro branco onde havia o – para tudo agora, meu Deus – o vestido mais pomposo e absolutamente estonteante que eu já havia posto os olhos.
            - Me diga que esse é o meu vestido, pelo amor de Cristo. – eu disse surtando, e pude ver a risada de Lorenzo. Nem a risada de Lorenzo me abateria naquela hora.
            Olga e Edite (a estilista), riram da minha reação. Os sorrisos maiores foram guardados quando elas me ouviram gritar do provador quando eu coloquei aquela coisa de Deus no meu corpo. Eu estava parecendo o céu de madrugada.
            Os sorrisos foram substituídos por queixos caídos, quando eu saí de lá. Edite tinha mãos mágicas.
           - E você ainda diz que não nasceu para ser princesa – era Lorenzo falando e saindo do segundo provador, num terno impecável. Eu quase desmaiei.


# Capítulo 9

O fato é que apareceu uma garota nova no Palácio. Não qualquer garota, mas a garota ruiva de botas do meu sonho. O que me deixou – caramba! – com medo. A garota ruiva que me cedeu o acento. A garota ruiva que passou por mim. A garota ruiva que se chama Laura. O fato é que a dita, passou as duas longas horas do café da manhã me encarando. E eu nem sei o que aquela garota pode ter visto em mim. E bom, aquele sorriso adocicado e aqueles cabelos de comercial de tv poderiam até tentar me enganar, mas aqueles olhos não. Aqueles olhos enlameados, eu conhecia aqueles olhos. São os olhos que a Bárbara de Comunicação Social me olhou. E eu não gostei nem um pouco daquilo.
Após o café da manhã. Fui até o meu quarto. Vovó Pérola me avisou que a prova do vestido seria no dia seguinte. Olga me avisou que eu poderia fazer compras. Já que eu estava praticamente sem roupas. E meu closet – do tamanho do meu quarto (eu preciso dizer isso sempre, porque eu adoro fazê-lo), está praticamente vago.
Deitei-me na minha cama e coloquei OneRepublic para tocar no iPod, mas sempre tem aquela música que te faz levantar e fazer uma zona. Pois é. Eu precisava levantar e fazer uma zona, afinal, estava tocando - nada mais, nada menos do que - Life in Color. Tem um espelho de uns dois metros na parede oposta a Lareira. E eu fui para lá, dar o meu show particular, segurando como microfone – nada mais, nada menos do que – a minha escova de cabelo. E lá estava eu, dançando esquecida do mundo todas as faixas do álbum, com os fones de ouvido no último volume quando de repente eu virei em um salto em direção a porta e – nada mais, nada menos do que – Lorenzo entrou.
Droga, droga, droga.
Quanto tempo ele ficou ali? Ele estava sorrindo da minha cara. Ai Meu Deus! Como ele fica lindo sorrindo da minha cara. É como se Brad Pitt estivesse me dando mole em carne e osso. Para, Ana.
            Tudo bem, eu fiquei congelada. Absolutamente sem reação. E eu tenho quase certeza de que o meu rosto estava vermelho, eu nem me dei ao trabalho de olhar no espelho.
            - Então é isso o que você faz nas horas vagas? – ele ainda estava na porta, ele ainda estava sorrindo, eu ainda estava sem reação.
                 - Quando estou livre das aulas “bata na porta antes de entrar”, sim. – eu disse encarando-o com a expressão de “te peguei” e retirando o fone dos meus ouvidos.
Pensar em “te peguei” me dá calafrios. Olha só o que o duplo sentido das palavras faz com a gente.
             - Você precisa de umas aulas de dança. Você dançando é realmente uma coisa horrível – ele estava fechando a porta e caminhando em minha direção. Parou perto da cama. 
                - Aposto que você deve ter tido algumas. Você tem que servir para alguma coisa... além de você sabe... Ah! Claro. Você não serve para nada.
            - Ok. Eu não sirvo para nada. Então, eu acho que você pode fazer o discurso sozinha – ele deu meia volta e caminhou em passos largos em direção a porta.
Socorro! Eu não posso fazer um discurso sozinha, eu nem sei falar em público, eu sou tipo... a última opção de oradora da turma, eu desmaio em seminários. Ok. Eu só desmaiei duas vezes. Mas vai pegar muito mal desmaiar em rede Nacional. Não, não, não.
            - Lorenzo! – eu disse enquanto ele se virava para mim – talvez eu tenha sido abrangente demais.
            - Abrangente demais? – ele levantou uma das sobrancelhas.
            - Isso! Talvez você sirva para algumas coisas.
            - Talvez?
            Que cara chato!
            - Ok. É claro que você serve para alguma coisa. Você é tipo... o futuro rei. Ninguém é um futuro rei se não serve para alguma coisa.
Ele sorriu.
- Esse é o seu argumento? – ele perguntou enquanto fazia sinal de “Posso sentar na cama?”.
- Bom... eu acho que sim. – eu respondi enquanto fazia um sinal “Sim. Você pode.”.
- Espero que você seja melhor em um discurso do que em suas tentativas de convencimento – ele disse sorrindo enquanto fazia sinal de “Sente-se aqui”.
- Eu não apostaria nisso – eu disse indo sentar na minha cadeira da penteadeira enquanto fazia sinal de “Nem que a vaca tussa”. E aposto que nós dois não sabíamos bem se o meu “Eu não apostaria nisso”, foi a resposta para sentar ao seu lado ou a resposta dessa pessoa aqui ser um horror com discursos. É exatamente por isso que eu amo o duplo sentido das coisas. Se eles não te quebram, eles te ajudam a quebrar alguém.
E eu havia conseguido, por um milésimo de segundos e pela primeira vez em toda a minha estadia no castelo: quebrar Lorenzo.
Ele pigarreou para chamar a minha atenção, e eu só vi que ele estava na minha frente quando ele puxou o meu braço e logo depois me levou até a varanda do meu quarto.
- Que você tá fazendo, Lorenzo?
            - Te ensinando a fazer um discurso, ué.
- E vai usar aquelas técnicas medievais, do tipo, “ameace atirá-la pela janela”?
- É. Não seria uma má ideia.
E nós dois gargalhamos.
- Então qual é a primeira lição?
- Aprecie a vista, Princesa. Porque eu estou apreciando a minha.
E eu não estava olhando para o campo, ou para as redondezas do castelo, ou avaliando como as casas se distribuíam pelo local. Eu estava olhando para ele. Ele estava olhando para mim. E eu entendi bem, entendi completamente bem.
E nós estávamos ali tão perto, tão próximos, nossas bocas ali tão perto, tão próximas, e pela primeira vez desde que nós havíamos nos beijado, desde que eu senti vontade de beijá-lo, uma vontade acalentada invadia o meu peito, como se eu não só precisasse daquele beijo, mas como se eu não funcionasse sem ele.
E aí está a pior coisa do mundo: amar e odiar o mesmo garoto, tudo ao mesmo tempo.
            - Eu acho que quero te beijar – ele sussurrou, enquanto colocava um dos seus dedos nos meus lábios.
            - Eu acho que eu não me importaria se você fizesse isso – eu disse, enquanto o som da chamada de vídeo do Skype estrondava pelo quarto, e a voz de Hanna gritava uma frase absolutamente comprometedora “Ana! Você esqueceu da gente ou fugiu com o príncipe-absolutamente-fatal?”
            - Ok. Agora você definitivamente pode me jogar pela varanda.
E saí enquanto ele caminhava atrás de mim.
               - Hanna!
            - AAAAAAANA! – As três gritaram do outro lado. Todos estavam reunidas na sala de Hanna. Como a gente costumava fazer.
            - Obrigada pelo elogio, Hanna. Seja lá quem você for. – ele apareceu na tela e eu pude ver os olhos delas saltando do rosto. Eu sei. Ele é completamente lindo. Hanna corou. E eu quase morri de vontade de rir.
            - Ai Meu Deus! Eu não queria dizer aquilo, Alteza, Realeza, Príncipe Lorenzo.
            - Só Lorenzo – ele disse sorrindo. – Muito bom conhecer as amigas de Ana.
            - Prazer, Lorenzo. Sou a Marina. Nós não esperávamos você aí. Essa aqui é Dora – Dora acenou e ficou vermelha – E o título da discrição ficou para Hanna.
            - O prazer é todo meu – ele disse de uma forma delicada.
            - Você sumiu, hein Dona Ana? Ficamos plantadas aqui.
            - É que o dia foi tão cheio. Acabei esquecendo. Me desculpem, meninas.
            - Bom, a gente não quer incomodar, vocês devem estar resolvendo algo importante.
            - Nós não estamos...
          - Ana, claro que nós estamos – Lorenzo me cortou. – Foi um prazer imenso, garotas. Espero que possamos conversar outras vezes e que vocês venham passar uma temporada com a gente.
            - Bom... nós também esperamos – Hanna disse histérica.
            - Sintam-se convidadas! – Lorenzo disse enquanto elas davam tchau.
            - Envio e-mails para vocês! Eu prometo, garotas.
            - Eu prometo lembra-la de enviar, meninas.
            - Beijos – Elas gritaram em uma voz só.
E a câmera foi desligada.
Ele voltou para varanda e eu o segui. Nós ficamos calados até ele falar.
            - A Dora é linda.
        - Bom... você pode ficar com ela se quiser. Ela provavelmente vai aparecer por aqui depois do convite.
            - Eu não quero ficar com ela.
            - Aposto que não.
            - Já tenho uma garota em mente.
            - É mesmo?
            - Sim.
            - E eu conheço?
            - Certamente.
            - Óh! Pobre coitada.
            - Será mesmo?
            - Com certeza. Não é tarefa fácil aturá-lo.
            - Você não fica para trás.
            - Ao menos eu sou bonitinha.
            - Completamente bonitinha – ele disse enquanto puxava o meu braço.
            - Você não pode me beijar quando quiser, Lorenzo.
          - Eu não estava tentando te beijar – ele disse soltando o meu queixo – eu estou tentando te posicionar. É mais ou menos assim que você será apresentada. E ali – ele apontou para o campo – estará concentrada a população de Lísia.
Como assim ele não quer me beijar?
            - Tipo toda a população?
            - Praticamente.
            - Estou perdida.
            - Eu te ajudo a te encontrar.
Ok. Aquele silêncio tenebroso perdurou entre a gente. E ficamos mais uma vez ali. Olhando um para outro.
            - Eu encontro o caminho sozinha.
            - As pessoas costumam precisar de um norte.
            - Eu já tenho o meu norte.
            - Eu conheço?
            - Descubra você.
Agora eu seguia para a minha cama e peguei na cômoda ao lado, lápis e papéis. Entreguei nas mãos de Lorenzo.
            - Então vamos fazer o que temos que fazer. De uma vez por todas.
            - E porque você está entregando isso para mim?
            - Ora. Você vai me ajudar.
            - Exato.
            - Então?
            - Então comece a escrever.
            - O quê, Lorenzo?
            - O seu discurso.
            - Mas eu não tenho a mínima ideia de como fazer isso.
            Ele sorriu.
            - Você sabe o que Pablo Neruda costumava dizer?
            - O que Pablo Neruda costumava dizer?
          - “Escrever é fácil. Você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca as ideias.”
            Eu levantei no sobressalto, arqueei as sobrancelhas. Esse cara é um acidente genético posto na minha vida por engano.
            - Como dois e dois são quatro?
            Lorenzo caminhou até a porta, acariciou o trinco, abriu-a, tornou a fechá-la, abriu-a novamente.
            - Como dois e dois são quatro.
E dessa vez saiu. E eu só consegui ouvir o bater das portas, e eu só consegui me sentir sozinha.


Não demorou muito até Olga aparecer no meu quarto. Bater três vezes antes de entrar e me pegar com as mãos na cabeça e um papel em branco.
- Tudo bem se eu entrar, Ana?
- Entre, Olga. Fique a vontade.
- E essa carinha? – Olga havia puxado um puff para o meu lado. Os seus saltos batiam e rangiam no piso.
- É o discurso. Eu não sei por onde começar. E Lorenzo é um sacana barato que não me ajuda a posicionar uma mera consoante. Não me ajuda a escolher entre “Senhores e Senhoras, que estão presentes” ou “Um bom dia a todos!”. E eu nem sei se será um bom dia. Ai Meu Deus. Ele faz uma chacina comigo e ninguém vê. Será que o meu pai não vê? A gente não funciona juntos. E isso não vale só para as regras de português.

Olga estava sorrindo. Ela pegou uma das minhas mãos. Retirou a caneta, colocou sobre o papel e disse:

- Ana, você só precisa se apresentar. Não necessitará de um discurso estrambólico. Seja você, porque você nos basta. Conte a sua história. É o que eles no final das contas querem saber. E quanto a Lorenzo... ele é um garoto temperamental, mas ele tem um bom coração. E eu acho que eu nunca vi os olhos dele brilharem quando ele olha para alguém, exceto quando esse alguém é você. Então...eu sinto que ele pode gostar de você...
- Ah não! Impossível, Olga.
- ... e que você pode gostar dele.
Como eu poderia gostar de Lorenzo? É só a questão dessas reações químicas que me acometem quando eu o vejo. Mas isso não quer dizer que eu goste dele, quer? Convenhamos. Eu não funciono apaixonada. Eu nem sei o que é estar apaixonada.
- Eu acho que não é por aí... – eu disse sorrindo para ela.
- Bom, então é por onde?
- É mais uma das coisas as quais eu preciso descobrir. Me deseje sorte.
- Então, já que é assim... que assim seja. Só passei para avisá-la que a prova do vestido será amanhã a tarde, mais precisamente às 16:00 horas. Depois da comitiva de apresentação, acontecerá o baile de gala, e será lá que você será apresentada oficialmente como noiva de Lorenzo. Ao menos por enquanto... – ela suspirou profundamente – até que você decida, por onde é.
- Obrigada, Olga.
Acompanhei-a até a porta. E depois disso pulei na cama e fiz o que qualquer outra garota normal faria na minha situação: chorar.

Por que logo eu entre 7 bilhões de pessoas no planeta tinha que ser uma princesa?

segunda-feira, 9 de junho de 2014

# Capítulo 8

Lorenzo

É geralmente isso o que acontece quando eu suspeito estar gostando de alguém: me afasto. Aconteceu isso com Laura, acontecerá com Ana.
Ana possui aquela espécie de querer escondido. Aquela mania boba de me deixar bobo. Aquilo de uma gata selvagem nos olhos. Do cheiro de “eu sou impossível”. Daquele aminguar de sentimentos que às vezes afrouxa-se de seus lábios. Aquele quê de resposta para tudo.
 Laura era diferente.
Os seus sentimentos eram expostos na mesa, como mercadorias de uma feira esperando serem vendidas. Ela me fazia querer acreditar em mim. E eu quase nunca acredito em mim. Ela era uma lebre. Uma lebre medrosa por trás do bosque. Os seus sentimentos geralmente eram devaneios e lamentações por eu ter uma noiva. Uma noiva que não era ela. E ela geralmente respondia um “eu acho que sim”, para tudo, para exatamente tudo.
         Só que de uns tempos para cá... eu venho preferido as incertezas de Ana do que o meu destino escrito e homologado por Laura. É inevitável se apaixonar pelo inevitável. É tão simples, fatídico e irracional quanto beijar uma garota que você mal conhece. Quanto estar apaixonado por essa garota.
            E foi exatamente nisso que pensei, nos longos cinco minutos que passei calado, quando Laura abriu a porta do meu quarto e entrou. Não me dando o direito de uma resposta.
            - Eu voltei – ela disse me abraçando – eu tive que voltar.
            - Seria indelicado dizer que não é uma boa hora?
Ela gentilmente me esbofeteou a cara. Eu mereci.
- Ana está no palácio, Laura. Ana voltou.
- E é exatamente por isso que estou aqui. Ana não vai te tirar de mim.
- Laura, você sempre soube que...
- Que Ana é a sua noiva. Que história mais, mais, mais idiota! Nós só temos 18 anos. Nós nem vivemos mais em 1810, Lorenzo.
Nota mental: Laura é sobrinha do Lucas. Lucas casou-se há muito tempo com tia Elisa. Laura veio de brinde. Nos conhecemos em Placius, aos 15. E ninguém, exatamente ninguém, sabe bem o que está fazendo aos 15. Nós não seríamos exceção.  
- Me dê um tempo. Isso está acima de mim. Eu não posso resolver sozinho. Nós vamos conversar, mas eu primeiro preciso falar com Ana.
- Sempre Ana.
Depois disso Laura continuou me olhando. Fazia um ano. Exatamente um ano que eu não a via. E ela continuava tão linda. Os seus cabelos estavam mais curtos agora, logo no ombro. E ela parecia mais branca, como se estivesse trancada numa torre ao longo do tempo. Ela ainda usava as botas vermelhas.
Após balançar a cabeça apresentando um sugestivo não, deu meia volta e saiu, batendo a porta com uma força a qual eu nunca imaginei que ela pudesse ter. Acho que a lebre transformou-se numa leoa.
Os pontos da história:
1)      Laura foi o meu amor-adolescente-que-dane-se-o-mundo.
2)      Tudo exatamente aconteceu em agosto quando eles mudaram-se para o castelo em Placius. Aquela garotinha que desceu do carro de tia Elisa, usando botas vermelhas me chamou atenção. Ela tinha 14 anos e cabelos que acendiam no sol. Vermelhos como as botas. Nós fomos amigos por um bom e longo 1 ano. Mas entre esse meio tempo e as cavalgadas no final da tarde, engatamos numa espécie de namoro. Numa espécie de namoro impossível.
3)      Tia Elisa fingia que não via.
4)      Nós sabíamos que ela via.
5)      Então eu tive que me mudar para Lísia e nós simplesmente perdemos o contato.
Eu sabia que tinha um vínculo com Ana. Eu sempre soube. Só que nessa época de amor-adolescente-que-dane-se-o-mundo, eu terminei esquecendo disso. Deixando abandonado. De lado. Como se fosse uma vida que não me pertencia. Como se aquela história, na verdade, não houvesse sido escrita para mim. Enquanto isso, dentro dos muros do castelo, ou nas suas extremidades: eu me vi apaixonado por Laura.
O que eu pensei naquela época, foi que esse noivado nunca iria acontecer, que aquela Ana provavelmente não iria voltar para o castelo. Que jamais saberia da nossa existência, da sua própria existência. Mas eu estava errado. Eu sempre estou.
            Há um ano, recebi a notícia de que Ana estaria no castelo. E de que eu deveria está a postos para cumprir a minha parte do acordo. Se esta fosse a vontade de Ana. E então eu fui. Parti sem despedidas. Eu odeio despedidas. E cá estou eu, tentando fazer isso.
            Aprendi como o país funciona, aprendi como um cara funciona longe da garota que ele gosta. Cobri aquela parte do meu passado com um lençol grosso e escuro. E até hoje, esperava que ele permanecesse coberto.
            Não. Eu não deixei de pensar em Laura de uma hora para outra. Não se enterra uma paixão assim. Não se enterra uma paixão com as próprias mãos. Só que não me disseram isso. Ninguém me disse. Não nos ensinam nas escolas. E foi exatamente isso o que eu fiz: enterrei aquela paixão com as minhas próprias mãos. Por mim, por Laura ou por qualquer outra pessoa envolvida naquela história.
            Só que você não se pode impedir que alguém a desenterre. Você não pode impedir que os fantasmas voltem. Por mais metafórico e impossível que isto pareça: os fantasmas sempre voltam. Para o bem, ou para o mal.
Geralmente, muito geralmente: para o mal, meus caros.
            E foi tudo isso o que eu pensei esta manhã depois que Laura saiu do meu quarto. Levando uma parte da minha calma. De frente para o meu espelho, eu pensei que, agora será a segunda etapa: descer para o café. E bom, não só descer para o café. Encontrar Laura e Ana. Juntas.


            Respirei sincronicamente uma, duas, três vezes antes de entrar na sala. Com o pé direito dessa vez. Estava dentro. Todos já estavam lá. Se eu pudesse desenhar, a ordem seria a seguinte:
·         Eduard na cadeira principal.
·         O meu pai ao seu lado.
·         Pérola em frente ao meu pai e ao lado de Eduard.
·         Ana ao lado de Pérola.
·         Elisa ao lado de papai.
·         Laura ao lado de Elisa.
·         Eu ao lado de Ana e frente a Laura.
Sim. Eu sou um cara de sorte. Espero que você entenda uma boa ironia.
- Acho que não nos conhecemos, Ana. – Laura disse.
- Acho que não.
- Me chamo Laura. Sou prima de Lorenzo.
- Laura! Muito prazer – Ana balança os dedos sobre a mesa e sorria (um sorriso verdadeiro) para Laura.
- O prazer é todo meu – Laura disse sorrindo docemente para mim.
Bom, quanto ao sorriso de Laura, eu não posso contar-lhe a mesma coisa.

E foi mais ou menos aí que o meu mundo acabou de fato. 
 

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