domingo, 1 de junho de 2014

# Capítulo 4

A quarta-feira amanheceu tranquila. Sem o ronronar de gatos no telhado, sem as britadeiras do outro lado da rua. Quando puxei o meu celular da minha mesinha verde água, entrei pela primeira vez desde o meu aniversário de 18 anos no meu Twitter. Contabilizei ao todo 48 menções e umas 8 indiretas do Arthur, indivíduo este que deixei de seguir segundos depois. Espero que ele me exclua da vida dele também. 

Menções de Marina:
A @analazzari desapareceu completamente da rede. Sintomatologia de quem se tornou maior de idade?
É mais fácil encontrar ouro no meu quintal ou descobrirem água em Marte do que @anaalazzari atender as minhas ligações.
Ô AAAAAAANA! @analazzari

Menções de Dora:
Boatos de @analazzari experimentou a liberdade da boate, criou asas e voou.

Ok. A Dora tá bêbada. Lembrete mental: apagar a minha conta do twitter.

@analazzari tá mais difícil do que passar no vestibular de medicina.
@analazzari apareça, garota
@analazzari tô batendo na tua casa qualquer hora dessas J

Menções de Hanna:
Vocês ficam aí atrás da @analazzari quando na verdade ela encontrou algum gato e a gente que é bom: nada.
@analazzari MENINA, MENINA, MENINA.
@analazzari se você gostar desse tweet me liga agora, se você não gostar desse tweet, me liga agora também.

Tudo bem, Ana. Hora de ligar para as meninas. Ninguém pode ficar louca sozinha. Depois de ligar o Skype, acessei a plataforma de vídeo conferência e estavam as três garotas na minha frente, esperando resposta. Esperando saber o motivo do meu desaparecimento. Na verdade, isso eu também não sabia.
- Oi, garotas!
- Ooooooi! – elas gritaram.
- Eu preciso falar com vocês, de verdade. Quer dizer, é uma viagem meio... meio maluca, mas vocês, tá, vocês vão achar que é uma piada. Antes fosse uma piada.
- Fala logo, Ana – Hanna gritou.
- Não grita, Hanna, o retorno do áudio daqui é uma droga – Marina reclamou.
- Tudo bem se você tiver voltado com o Arthur. Eu vi as oito mil atualizações de arrependimento dele. Só avisa pra ele que não é nada legal passar cinco horas digitando as músicas de Barão Vermelho.
Eu sorri. Porque isso é bem a cara do Arthur.
- Eu não voltei com o Arthur, e nem vou voltar com o Arthur. Aliás, pensando bem, “voltar” não é o verbo a ser utilizado. Só se pode voltar para onde você nem passou perto de chegar. Acontece que eu sou uma princesa.
Gosto de jogar ideias aleatórias e deixar a bomba para o final. Foi assim que eu contei para tia Janine que gastei o que eu não podia em Porto e que as minhas amigas são três bêbadas malucas. Foi mais ou menos assim “O dia tá lindo. O mar quentinho. Comprei uma regatinha branca para você. Saudades da minha cama. Aí tá chovendo muito? Estourei o limite do cartão.” E desliguei.
- A gente sabe. Nós também somos – Dora falou sorrindo.
- Não. Eu, bom... eu realmente sou uma princesa. Daquele tipo que, acho que daquele tipo...daquele tipo que usam coroas.
Silêncio no ar. Ninguém fala. Ninguém se move.
- Próxima piada, Ana – Marina desdenhou.
- Não é uma piada. Eu sou uma princesa. E nem quero ser a droga de uma princesa. O meu pai apareceu, e não, ele não estava morto. E eu tenho uma avó que cheira a Lavanda.
- Ok. A gente tá indo aí – Hanna disse desligando a câmera. E logo em seguida, todas as janelas se apagaram e eu fiquei sozinha no escuro.

Eu comecei a me adaptar ali. Naquela ambiente sem luz. Eu comecei a me adaptar aquela luz azul do monitor piscando no meu rosto. Eu poderia ficar ali para sempre. Mas a minha porta foi aberta, e de repente, o reflexo de três cabeças apareceram no meu monitor. Dora ligou a luz.
- Então não é brincadeira? – ela perguntou.
- Não. Não é.
- Cara, você é uma princesa – Marina disse.
Hanna continuava intacta, sem fala, e sabe o que é o pior de tudo? Ela sempre tem algo para falar.
            - Uma princesa com uma coroa – completei.
            - Você vai embora? – Dora me abraçou
            - Acredito que sim – eu respondi.
            - Você quer ir embora? – Hanna perguntou.
            - Acredito que não.
            - A gente te ajuda a fugir – Marina disse.
            - Podemos fugir juntas para as praias do México e passar pelo Caribe para tomar suco naquelas cascas de abacaxi – Hanna completou.
Nós sorrimos. Porque Hanna sempre conseguia nos fazer sorrir.
- Bom, eu não poderia.
- Ora, mas o que te impede? A tia Janine?
- O meu noivo – eu respondi e notei que estava tremendo.
- O seu o quê? – Hanna levantou-se saltitando pelo quarto. – O seu o quê?
- Noivo – E dessa vez não era nenhuma de nós, era a Pérola. Era a minha avó. A minha nova avó.


Comecei a preparar as minhas malas na terceira semana após o meu aniversário. Eu estava guardando tudo aquilo que poderia me lembrar de casa, mas Sofi não cabia dentro da bolsa. Nem a tia Janine, nem o tio Pablo. Tampouco Hanna, Dora e Marina. Nenhum. Combinamos, eu, Eduard e Pérola que eu passaria as férias de dezembro e janeiro como um período de adaptação. Antecipei as últimas provas e já estava de férias uma semana antes das aulas acabarem realmente.
Pérola e Eduard me informaram que assim que o avião pousasse em Lísia, eu iria diretamente para o grande salão, onde uma imensa gama de pessoas estaria me esperando. Essas pessoas me ajudariam na instalação e no que eu precisasse. Mas eu só precisava voltar para casa. Elas não poderiam me ajudar nisso, poderiam?
Na última noite, no fim, na noite de despedidas, o Arthur bateu lá em casa. Ele foi me pedir desculpas. Ninguém ainda sabe sobre o meu título. Só as meninas. Ele só sabe que eu decidi ir embora. Bom, ao menos é o que todo mundo pensa. Todo mundo também pensa que Arthur é o motivo. Talvez ele também pense.
- Então, boa viagem, Ana. Espero que não existam mágoas entre a gente. Espero que tenha me perdoado – ele disse apertando os meus dedos.
- Tudo bem. Obrigada por passar aqui. Até algum dia, Arthur – eu disse entrando em casa.
Senti um aperto no peito. Quanto pesa uma despedida?
- Espera! – ele me puxou. – Sem mágoas?
- Sem mágoas – eu sorri.
Então ele beijou a minha bochecha e foi embora com as mãos nos bolsos, o pensamento na cabeça, e a culpa no coração.
            Algum tempo depois as meninas estavam me fazendo jurar que eu voltaria em dois meses. E que todos os dias nós faríamos chamadas de vídeo. Sofi pulava em meu colo de dois em dois minutos e tia Janine me fez prometer ligar todos os dias. Tipo Pablo, sempre foi reservado, mas no final de tudo conseguiu me dar um abraço. Mas no final de tudo, ele chorou.
            E quando eu menos esperava, estava dentro de um avião que tinha estampado de azul o nome do meu novo país. O nome da minha nova casa. E só depois, muito tempo depois, comecei a ligar as peças do quebra cabeça: nunca vi uma foto dos meu pais, nunca vi uma foto dos meus avós paternos, eu não encontrei reportagens sobre o acidente, tia Janine sempre me obrigou a estudar inglês, e só descansou quando eu finalmente, me tornei fluente, ela sempre me orientou sobre os modos à mesa, ou sobre ser uma garota instruída, eu recebia aulas de piano. E depois de pensar em tudo isso, quando já estava nas alturas, praticamente dormindo no ombro do rei Eduard, eu lembrei do meu sonho. Eu me lembrei do “Anastácia. Como a princesa perdida”.
E eu fui caindo aos poucos, dentro de outro sonho.
Um sonho com o mesmo cara.

            Um sonho com a mesma história. 

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