segunda-feira, 2 de junho de 2014

# Capítulo 6

Quando acordei, duas moças – que apresentaram-se como Lola e Lívia -, estavam do lado da cama, me vendo dormir. Quase gritei. É muito estranho ter pessoas as quais você nunca viu no seu quarto. Pessoas que olham você dormir.
- Nós seremos suas damas de companhia. Cuidaremos de você, princesa Ana. – quem falava era a moça mais alta, de cabelos pretos amarrados em um coque. – Eu sou Lola e esta é Lívia – agora ela apontava para uma garota (talvez tivesse a minha idade), a garota fez uma reverência e sorriu timidamente. Foi mais ou menos aí que pude ver quer Lola era a líder – Nós viemos trazer o seu café da manhã, princesa.
Lívia colocou sobre a cama uma bandeja de porcelana com um café da manhã que me encheu os olhos.
- Obrigada pelo café e tudo bem se me chamarem de Ana. Isso de princesa ainda é muito estranho para mim.
Elas sorriram uma para outra, acenaram para mim e depois permaneceram caladas, até eu pigarrear e falar alguma coisa.
- Eu vou precisar de ajuda? – eu perguntei um tanto espantada.
- Às vezes sim. Nós estaremos aqui quando esse às vezes chegar.
            Então eu agradeci mais uma vez e elas saíram de mansinho. Aos cochichos. Permaneci ali na cama. Sem falar coisa alguma. Olhando para o teto que tinha formato de rosas e balançando os meus pés, que agora (por a cama ser imensa), não encostam ao chão. Uma hora depois eu estava banhada e vestida. Encontrei algumas roupas de frio no meu closet e as pus. Não pareciam muito comigo, nem com o meu estilo. Mas eu não poderia criticar uma família que me recebeu tão bem só por uma roupa ser amarela e eu odiar amarelo.
            Sentei-me em frente ao computador. Hoje está uns dois graus mais frio. O que me incomodou um pouco. Acessei o meu e-mail. Havia esquecido o Twitter e o Face. Só iria retornar a usá-los quando eu realmente estivesse em casa. E lá estavam três caixinhas brilhantes mostrando o nome de quem provavelmente iria salvar o meu dia: Dora, Marina e Hanna. Eu quase gritei.

Assunto: Ai Meu Deus, você tem um closet!
Ana,
Eu não estou no meu quarto, estou na sala morrendo de saudade de você. E praticamente tendo um infarto de raiva do Arthur. Aquele garoto já enviou umas 700 mil mensagens diretas para o meu twitter perguntando por você.
Acho que eu também vou excluir o meu twitter. Ok. Eu não vou.
Não tem aí nem um rei sobrando para descobrir uma filha brasileira? Eu também gostaria de um closet do tamanho do meu quarto (risos). J
Espero que aí faça sol.
Espero que você use o seu biquíni.
Espero que você descubra muito e muito mais sobre a sua mãe.
Mas espero ainda mais que você volte para casa.
Daqui a saudade só cresce.
Chamada de vídeo: fechado!

Com amor,
Dora.

Assunto: Tá tudo bem por aí?
Ana,
Já está com novidades, hein?
Você pode fazer duas coisas:
1)      Convencer Lorenzo que um casamento entre duas pessoas que nunca se viram é coisa de vovozinha. E nem de vovozinha, hein. De tataravozinha mesmo.
Ou
2)      Dar uma chance para ele.
As duas podem levar em nada. Mas como é mesmo que dizia aquela música? Ah! “Nada é uma palavra esperando tradução”.
Traduza-a! J

Saudades desde sempre.
Estarei no Skype.
            Abraço de urso,
Marina.

Assunto: Finalmente, Ana!
Aninha,
Ok. Vou rezar para que aí não caia um único floco de neve, só vou ficar triste porque você perderá a chance de fazer anjos de neve.
Fiquei meio surpresa quando li sobre a sua mãe.
Mas sempre achei que você deveria ser igualzinha a ela, porque você não é igual a mais ninguém.
Não exclua o seu Twitter e Face por enquanto, só peça de alguma forma que o Arthur parar de nos importunar. Tá ficando chato.
A notícia não vai se espalhar se depender da gente. Já temos uma boa desculpa pra contar.
Volte logo.
Menos dois dias.
Te espero no Skype.
Abraços
Hanna

Dora me lembrou de Arthur. Hanna me fez sorrir. Marina me fez ver que eu posso dar chances às pessoas. Por mais desconhecidas que sejam.
E eu fiquei feliz por isso.
Pensei em escrever um e-mail para elas contando sobre ontem. Mas achei que não seria justo falar da minha desventura por e-mail. Nem comigo, nem com elas.
Resolvo sair para dar um volta. Conversar com o meu pai e a minha vó. Tenho muitas coisas para esclarecer. Muitas coisas para perguntar. Gostaria que isso acontecesse agora. Ao sair do meu quarto, esbarro com Olga. Poderia ser pior, poderia ter sido com aquele idiota de ontem. Aquele idiota que me deu um beijo e foi embora. Talvez seja uma espécie de jogo, de treinamento ou teste para saber o quanto a filha de Eduard pode ser babaca. Aposto que tirei 10.
            - Desculpe – nós falamos juntas e gargalhamos depois.
            - Tudo bem. Eu não estava prestando atenção – me expliquei.
            - Eu estava vindo chamá-la. Eduard quer que conheça Lorenzo.
            Um, dois, três, quatro, cinco, seis, tapas na minha cara.
            - Agora? – relutante eu já me afastava.
            - Agorinha! – ela disse sorrindo
            Ok. Sete tapas. Para dar sorte.

Desci as escadas tremendo, enquanto Olga conferia uma serie de papéis sem olhar para os degraus enquanto descia, é como se ela conhecesse cada um. Como se ela não precisasse dos olhos para descer sem trombar e parar no chão. Ok. Eu havia beijado outro cara ontem. Um cara que eu mal conversei. Um cara o qual eu nem sei o nome. Numa escala de 0 a 10 quão babaca eu fui?  Então juntando A+B, significa que eu havia traído o Lorenzo. Tudo bem, eu já tinha quase namorado o Arthur antes e sei lá, poderia contabilizar alguns carinhas do ensino médio. Mas até aí eu estava salva, eu não sabia que tinha um noivo. Bom, aposto que ele teve uma namoradinha também. Aposto que estamos quites.
Segui Olga por alguns corredores que reconheci da noite passada, mas não estava prestando atenção nos corredores, estava imaginando a catástrofe que aconteceria em seguida. Olga entrou numa grande sala. Nessa eu ainda não havia entrado. Acho que poderia ser a sala de jantar. Tinha uma imensa mesa, com provavelmente 70 cadeiras. O que me deixou espantada, insegura e pensando em como sentar naquela mesa todos os dias seria chato. Nada como a intimidade de uma mesa pequena. Do bater de cotovelos enquanto o açúcar é passado de mão em mão, da risada curta, breve e próxima que podemos escutar de quem está ao lado.
Lá estava o meu pai. Na cadeira principal, e do seu lado, a minha avó. Eles sorriam para mim. Eu tentava sorrir para eles. Do lado da minha avó estava um homem barbudo, bonito, de olhos claros e cabelos preto petróleo. Ele possuía movimentos leves, mas provavelmente teria a idade do meu pai. Ele não era Lorenzo, era? Qualquer um poderia ser Lorenzo. Qualquer um. Eduard fez sinal para que eu me aproximasse. Quando cheguei ao seu lado, cumprimentei o homem de cabelos preto petróleo. O que meu deu náuseas no estômago, já que segundo Olga, eu iria conhecer Lorenzo agora, e o único homem além de Eduard naquela sala era aquele cara. Aquele cara que poderia ser meu pai.
Ok. Eu estava noiva de um cara de 40 anos. O que as pessoas de Lísia têm na cabeça?
- Ana, gostaria de lhe apresentar... – eu estava pensando em desmaiar, ou sair correndo, ou pedir para alguém pegar as minhas malas e me colocar no primeiro avião, eu deveria ter aceitado o plano de Hanna sobre ir ao México. – o rei de Plácius. O rei Edgar.
Tudo bem. É só o rei Edgar. É só o pai de Lorenzo. Ai meu Deus! É o pai de Lorenzo. Então quer dizer que Lorenzo irá aparecer a qualquer...
A porta a qual entrei agora pouco, se abriu, entraram dois homens.
... minuto - Eu pensei engolindo em seco.
Um deles bem mais jovem. Lorenzo. Lorenzo não era nada atraente. Não parecia com o pai. Nada me chamava a atenção. O segundo, provavelmente exercia o mesmo papel que Olga exerce ao meu pai. Enquanto eles entraram, todos trataram de ficar de pé, e eu sabia que seria aqui, que seria agora, que um anel seria posto no meu dedo.
- François – Eduard cumprimentou o homem de maior idade, de maior tamanho. – E seguiu guiando a mão para o segundo cara nada atraente e os olhos para a porta que agora se abria outra vez.
E o que entrou por aquela porta, fez com que um choque percorresse o meu corpo, fez o meu coração saltitar: o carinha dos olhos cinza.
- Lorenzo! – Eduard abaixou a mão, esquecendo-se de cumprimentar o cara-nada-atraente – Lorenzo, chegou exatamente na hora.
Senhor Deus! O meu pai chamava o cara de olhos cinza de Lorenzo. Eu não beijei qualquer cara. Eu beijei o meu noivo. Eu beijei Lorenzo. Lorenzo me beijou.
Eles se abraçaram. O meu pai e Lorenzo.
- Você está pálida, Ana – Pérola sussurrou nos meus ouvidos.
- Eu acho que vi um fantasma – foi a única coisa que consegui falar.
E depois lá estava Lorenzo na minha frente. Outra vez. Sendo “apresentado” para mim. Como se as nossas bocas já não tivessem nos apresentado.
            - Ana, este é Lorenzo. Lorenzo, esta é Ana. – ele disse unindo as nossas mãos.
Lorenzo permaneceu me encarando, permaneceu mordendo o canto da sua boca, eu pude ver que os seus olhos cintilavam ainda mais.
            - Um prazer conhecê-la, Princesa Ana. – ele disse. An-na. Ele falava Ana de uma forma diferente, ele falava Ana como alguém que está preste a te beijar.
            - O prazer é inteiramente meu, Príncipe Lorenzo. – eu disse mantendo a pose. Sem sorrir, sem morder os lábios. Eu parecia calma e compenetrada, mas por dentro a minha alma estava desmoronando.
Ele sorriu. O meu pai também.
            - Vamos deixar que os dois conversem. Eles precisam conhecer um ao outro – vovó sugeriu.
Todos consentiram indo embora. Deixando para trás naquela sala lotada de cadeiras e silêncio: eu e Lorenzo. Lorenzo e eu.
            - Sobre ontem... – eu comecei.
            - Sobre ontem? – ele questionou.
            - Eu não sou... daquele jeito. Eu não... você sabe... costumo agir por impulso.
            Ele conservava uma mania insistentemente chata de sorrir enquanto eu falava.
            - A culpa foi minha, Ana. – ele disse tocando o meu ombro – E daquele seu pijama. E claro do “pare de flertar comigo!”. Eu não gosto de ser provocado.
An-na. Eu gelei.
            - Ah é? Então o principezinho não gosta de ser provocado? Palmas para você.
            - Eu não costumo ser provocado. Ossos do ofício.
            - Meu Deus, como você é insuportável! – eu disse empurrando-o para trás.
            - Então combinamos nisso, Princesa – ele gosta de me provocar. Ele adora fazer isso.
            - Você é bastante esnobe se quer saber.
Eu joguei a última acusação e ele ficou parado, me observando. Eu odeio ser observada.
            - Qual a tua cor preferida?
Como assim a minha cor preferida?            
            - Minha cor preferida, Lorenzo?
            - É. Não dá para casar com alguém sem saber a sua cor preferida.
Casar. Casar com alguém. - Azul – eu cuspi a palavra.
O inglês dele parecia mais afrancesado do que os dos outros. Isso era absolutamente charmoso.
Nota mental: agradecer a tia Janine por ter insistido que eu comparecesse as aulas de inglês.
Nota mental número dois: esse cara é uma furada.
- Eu te convidaria para ir ao jardim se não estivesse tão frio.
- Eu provavelmente não aceitaria.
- Eu sei.
- Esse é o segundo motivo para que eu não a convide.
- Então eu sou previsível?
- Você é bastante previsível, Ana.
- Vai ou fica? - Eu disse saindo pela porta.
- Para onde, Princesa?
- Fui – e eu só pude escutar o som da porta fechando-se encontrar a sua risada.
E lá ficou ele me olhando como um bobo. Comemorando por dentro por eu não ser tão previsível no final das contas.

- Eu deveria mandá-la entrar, Ana – ele falava enquanto puxava o meu braço na direção do castelo. – Aqui está frio, e se você ficar doente...
- E se eu ficar doente? – agora nós estávamos perto demais.
- ...Eu terei problemas – ele pigarreou.
- Foi você quem insistiu, meu caro amigo. Lembra-se? Ou só é muito bom com palavras? Um probleminha nunca fez mal a ninguém. Ou você acha que a vida é apenas esse castelo, seus muros e que aquela estrada ali – apontei para estrada de tijolos amarelos – te levará a Oz?
- Eu estava brincando, Ana! Uma pessoa que não consegue entender uma brincadeira não está pronta para viver num mundo como esse – ele disse com a voz um tanto chateada.
- Pelo visto você entende de mundos – eu saí pisando firme.
Ele permaneceu calado. Caminhamos até perto do lago. Eu sentei, afastando-me da margem por um ou dois metros. Ele sentou em seguida. Eu estava me acostumando ao silêncio. Ao silêncio que ele fazia. Mas ele não consegue permanecer com a boca fechada por muito tempo. Infelizmente.
- Eu não quis dizer aquilo, só que... as coisas meio que não funcionam assim aqui, Ana. Não é tão simples quanto você pensa. Toda a população, milhares de famílias dependem de nós. Dependerão de você – ele apoiou os dedos nos meus ombros.
- Acho que sim.
E ficamos ali olhando o lago que ainda não fora congelado. Que estava meio a meio. Meio água, meio cristal. Eu tremia um pouco, mas não iria admitir isso.
            - Então nós somos noivos? – eu perguntei enquanto mexia na relva já cristalizada.
            - Nós estamos – ele não me encarou.
            - E isso não te incomoda? A ideia de casar com alguém que mal conhece...
            - Não – ele sorriu, – Te incomoda?
            - Me incomoda.
Eu só estava sendo sincera. Ele merecia que eu fosse.
            - Eu sou tão ruim assim?
            - Nããão! Não é isso! Eu só acho que devo ser sincera com você.
            - Então seja sincera comigo – agora ele recolhia algumas pedras minúsculas e as atirava no lago. Elas quicavam, quicavam e quebravam a fina camada de gelo. Exatamente nessa ordem.
            - Ok – inspira, expira, Ana – Então... eu acho essa coisa toda uma baboseira.
            Ele gargalhou. Mas não como se me criticasse, como se aquilo o fizesse feliz.
            - Bom, eu disse isso ao meu pai por anos.
            - E?
            - E nada. Dependerá de você.
            - De mim?
            - Ninguém vai te casar a força aqui, Ana. Se alguém pode pular fora disso tudo, é você.
            - Então, nós... nós não temos que obrigatoriamente...?
            - Governar nossos países juntos?
            - Nos casarmos.
            - Não obrigatoriamente.
E eu quase o abracei.
            - Mas é assim que irão nos apresentar em algumas semanas para a população de Lísia. E seria bom se você estivesse pronta.
Eu engoli em seco.
            - Deve ser irritante nunca ter se apaixonado de verdade.
            - E quem disse que eu nunca me apaixonei de verdade? – ele perguntou, batendo de leve no meu ombro.
            - Então quer dizer que você já se apaixonou? – foi a minha vez de chutar o seu pé.
            - Uma vez – ele disse levantando-se.
            - Quando? – eu levantei em seguida.

            - Isso eu não posso te contar – e ele foi embora mais uma vez, não contrariando a sua mania de sempre me abandonar no meio de uma frase, de sempre me deixar sozinha.

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