segunda-feira, 9 de junho de 2014

# Capítulo 8

Lorenzo

É geralmente isso o que acontece quando eu suspeito estar gostando de alguém: me afasto. Aconteceu isso com Laura, acontecerá com Ana.
Ana possui aquela espécie de querer escondido. Aquela mania boba de me deixar bobo. Aquilo de uma gata selvagem nos olhos. Do cheiro de “eu sou impossível”. Daquele aminguar de sentimentos que às vezes afrouxa-se de seus lábios. Aquele quê de resposta para tudo.
 Laura era diferente.
Os seus sentimentos eram expostos na mesa, como mercadorias de uma feira esperando serem vendidas. Ela me fazia querer acreditar em mim. E eu quase nunca acredito em mim. Ela era uma lebre. Uma lebre medrosa por trás do bosque. Os seus sentimentos geralmente eram devaneios e lamentações por eu ter uma noiva. Uma noiva que não era ela. E ela geralmente respondia um “eu acho que sim”, para tudo, para exatamente tudo.
         Só que de uns tempos para cá... eu venho preferido as incertezas de Ana do que o meu destino escrito e homologado por Laura. É inevitável se apaixonar pelo inevitável. É tão simples, fatídico e irracional quanto beijar uma garota que você mal conhece. Quanto estar apaixonado por essa garota.
            E foi exatamente nisso que pensei, nos longos cinco minutos que passei calado, quando Laura abriu a porta do meu quarto e entrou. Não me dando o direito de uma resposta.
            - Eu voltei – ela disse me abraçando – eu tive que voltar.
            - Seria indelicado dizer que não é uma boa hora?
Ela gentilmente me esbofeteou a cara. Eu mereci.
- Ana está no palácio, Laura. Ana voltou.
- E é exatamente por isso que estou aqui. Ana não vai te tirar de mim.
- Laura, você sempre soube que...
- Que Ana é a sua noiva. Que história mais, mais, mais idiota! Nós só temos 18 anos. Nós nem vivemos mais em 1810, Lorenzo.
Nota mental: Laura é sobrinha do Lucas. Lucas casou-se há muito tempo com tia Elisa. Laura veio de brinde. Nos conhecemos em Placius, aos 15. E ninguém, exatamente ninguém, sabe bem o que está fazendo aos 15. Nós não seríamos exceção.  
- Me dê um tempo. Isso está acima de mim. Eu não posso resolver sozinho. Nós vamos conversar, mas eu primeiro preciso falar com Ana.
- Sempre Ana.
Depois disso Laura continuou me olhando. Fazia um ano. Exatamente um ano que eu não a via. E ela continuava tão linda. Os seus cabelos estavam mais curtos agora, logo no ombro. E ela parecia mais branca, como se estivesse trancada numa torre ao longo do tempo. Ela ainda usava as botas vermelhas.
Após balançar a cabeça apresentando um sugestivo não, deu meia volta e saiu, batendo a porta com uma força a qual eu nunca imaginei que ela pudesse ter. Acho que a lebre transformou-se numa leoa.
Os pontos da história:
1)      Laura foi o meu amor-adolescente-que-dane-se-o-mundo.
2)      Tudo exatamente aconteceu em agosto quando eles mudaram-se para o castelo em Placius. Aquela garotinha que desceu do carro de tia Elisa, usando botas vermelhas me chamou atenção. Ela tinha 14 anos e cabelos que acendiam no sol. Vermelhos como as botas. Nós fomos amigos por um bom e longo 1 ano. Mas entre esse meio tempo e as cavalgadas no final da tarde, engatamos numa espécie de namoro. Numa espécie de namoro impossível.
3)      Tia Elisa fingia que não via.
4)      Nós sabíamos que ela via.
5)      Então eu tive que me mudar para Lísia e nós simplesmente perdemos o contato.
Eu sabia que tinha um vínculo com Ana. Eu sempre soube. Só que nessa época de amor-adolescente-que-dane-se-o-mundo, eu terminei esquecendo disso. Deixando abandonado. De lado. Como se fosse uma vida que não me pertencia. Como se aquela história, na verdade, não houvesse sido escrita para mim. Enquanto isso, dentro dos muros do castelo, ou nas suas extremidades: eu me vi apaixonado por Laura.
O que eu pensei naquela época, foi que esse noivado nunca iria acontecer, que aquela Ana provavelmente não iria voltar para o castelo. Que jamais saberia da nossa existência, da sua própria existência. Mas eu estava errado. Eu sempre estou.
            Há um ano, recebi a notícia de que Ana estaria no castelo. E de que eu deveria está a postos para cumprir a minha parte do acordo. Se esta fosse a vontade de Ana. E então eu fui. Parti sem despedidas. Eu odeio despedidas. E cá estou eu, tentando fazer isso.
            Aprendi como o país funciona, aprendi como um cara funciona longe da garota que ele gosta. Cobri aquela parte do meu passado com um lençol grosso e escuro. E até hoje, esperava que ele permanecesse coberto.
            Não. Eu não deixei de pensar em Laura de uma hora para outra. Não se enterra uma paixão assim. Não se enterra uma paixão com as próprias mãos. Só que não me disseram isso. Ninguém me disse. Não nos ensinam nas escolas. E foi exatamente isso o que eu fiz: enterrei aquela paixão com as minhas próprias mãos. Por mim, por Laura ou por qualquer outra pessoa envolvida naquela história.
            Só que você não se pode impedir que alguém a desenterre. Você não pode impedir que os fantasmas voltem. Por mais metafórico e impossível que isto pareça: os fantasmas sempre voltam. Para o bem, ou para o mal.
Geralmente, muito geralmente: para o mal, meus caros.
            E foi tudo isso o que eu pensei esta manhã depois que Laura saiu do meu quarto. Levando uma parte da minha calma. De frente para o meu espelho, eu pensei que, agora será a segunda etapa: descer para o café. E bom, não só descer para o café. Encontrar Laura e Ana. Juntas.


            Respirei sincronicamente uma, duas, três vezes antes de entrar na sala. Com o pé direito dessa vez. Estava dentro. Todos já estavam lá. Se eu pudesse desenhar, a ordem seria a seguinte:
·         Eduard na cadeira principal.
·         O meu pai ao seu lado.
·         Pérola em frente ao meu pai e ao lado de Eduard.
·         Ana ao lado de Pérola.
·         Elisa ao lado de papai.
·         Laura ao lado de Elisa.
·         Eu ao lado de Ana e frente a Laura.
Sim. Eu sou um cara de sorte. Espero que você entenda uma boa ironia.
- Acho que não nos conhecemos, Ana. – Laura disse.
- Acho que não.
- Me chamo Laura. Sou prima de Lorenzo.
- Laura! Muito prazer – Ana balança os dedos sobre a mesa e sorria (um sorriso verdadeiro) para Laura.
- O prazer é todo meu – Laura disse sorrindo docemente para mim.
Bom, quanto ao sorriso de Laura, eu não posso contar-lhe a mesma coisa.

E foi mais ou menos aí que o meu mundo acabou de fato. 

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