Lorenzo
É geralmente isso o que
acontece quando eu suspeito estar gostando de alguém: me afasto. Aconteceu isso
com Laura, acontecerá com Ana.
Ana possui aquela
espécie de querer escondido. Aquela mania boba de me deixar bobo. Aquilo de uma
gata selvagem nos olhos. Do cheiro de “eu sou impossível”. Daquele aminguar de
sentimentos que às vezes afrouxa-se de seus lábios. Aquele quê de resposta para
tudo.
Laura era diferente.
Os seus sentimentos
eram expostos na mesa, como mercadorias de uma feira esperando serem vendidas.
Ela me fazia querer acreditar em mim. E eu quase nunca acredito em mim. Ela era
uma lebre. Uma lebre medrosa por trás do bosque. Os seus sentimentos geralmente
eram devaneios e lamentações por eu ter uma noiva. Uma noiva que não era ela. E
ela geralmente respondia um “eu acho que sim”, para tudo, para exatamente tudo.
Só que de uns tempos
para cá... eu venho preferido as incertezas de Ana do que o meu destino escrito
e homologado por Laura. É inevitável se apaixonar pelo inevitável. É tão
simples, fatídico e irracional quanto beijar uma garota que você mal conhece. Quanto
estar apaixonado por essa garota.
E
foi exatamente nisso que pensei, nos longos cinco minutos que passei calado,
quando Laura abriu a porta do meu quarto e entrou. Não me dando o direito de
uma resposta.
-
Eu voltei – ela disse me abraçando – eu tive que voltar.
-
Seria indelicado dizer que não é uma boa hora?
Ela gentilmente me esbofeteou a cara. Eu
mereci.
-
Ana
está no palácio, Laura. Ana voltou.
- E é exatamente por isso que estou
aqui. Ana não vai te tirar de mim.
- Laura, você sempre soube que...
- Que Ana é a sua noiva. Que história
mais, mais, mais idiota! Nós só temos 18 anos. Nós nem vivemos mais em 1810,
Lorenzo.
Nota
mental: Laura é sobrinha do Lucas. Lucas casou-se há muito tempo com tia Elisa.
Laura veio de brinde. Nos conhecemos em Placius, aos 15. E ninguém, exatamente
ninguém, sabe bem o que está fazendo aos 15. Nós não seríamos exceção.
- Me dê um tempo. Isso
está acima de mim. Eu não posso resolver sozinho. Nós vamos conversar, mas eu
primeiro preciso falar com Ana.
- Sempre Ana.
Depois disso Laura
continuou me olhando. Fazia um ano. Exatamente um ano que eu não a via. E ela
continuava tão linda. Os seus cabelos estavam mais curtos agora, logo no ombro.
E ela parecia mais branca, como se estivesse trancada numa torre ao longo do
tempo. Ela ainda usava as botas vermelhas.
Após balançar a cabeça
apresentando um sugestivo não, deu meia volta e saiu, batendo a porta com uma
força a qual eu nunca imaginei que ela pudesse ter. Acho que a lebre
transformou-se numa leoa.
Os pontos da história:
1) Laura
foi o meu amor-adolescente-que-dane-se-o-mundo.
2) Tudo
exatamente aconteceu em agosto quando eles mudaram-se para o castelo em
Placius. Aquela garotinha que desceu do carro de tia Elisa, usando botas
vermelhas me chamou atenção. Ela tinha 14 anos e cabelos que acendiam no sol.
Vermelhos como as botas. Nós fomos amigos por um bom e longo 1 ano. Mas entre
esse meio tempo e as cavalgadas no final da tarde, engatamos numa espécie de
namoro. Numa espécie de namoro impossível.
3) Tia
Elisa fingia que não via.
4) Nós
sabíamos que ela via.
5) Então
eu tive que me mudar para Lísia e nós simplesmente perdemos o contato.
Eu sabia que tinha um
vínculo com Ana. Eu sempre soube. Só que nessa época de
amor-adolescente-que-dane-se-o-mundo, eu terminei esquecendo disso. Deixando
abandonado. De lado. Como se fosse uma vida que não me pertencia. Como se
aquela história, na verdade, não houvesse sido escrita para mim. Enquanto isso,
dentro dos muros do castelo, ou nas suas extremidades: eu me vi apaixonado por
Laura.
O que eu pensei naquela época, foi que
esse noivado nunca iria acontecer, que aquela Ana provavelmente não iria voltar
para o castelo. Que jamais saberia da nossa existência, da sua própria
existência. Mas eu estava errado. Eu sempre estou.
Há
um ano, recebi a notícia de que Ana estaria no castelo. E de que eu deveria
está a postos para cumprir a minha parte do acordo. Se esta fosse a vontade de
Ana. E então eu fui. Parti sem despedidas. Eu odeio despedidas. E cá estou eu,
tentando fazer isso.
Aprendi
como o país funciona, aprendi como um cara funciona longe da garota que ele
gosta. Cobri aquela parte do meu passado com um lençol grosso e escuro. E até
hoje, esperava que ele permanecesse coberto.
Não.
Eu não deixei de pensar em Laura de uma hora para outra. Não se enterra uma
paixão assim. Não se enterra uma paixão com as próprias mãos. Só que não me
disseram isso. Ninguém me disse. Não nos ensinam nas escolas. E foi exatamente
isso o que eu fiz: enterrei aquela paixão com as minhas próprias mãos. Por mim,
por Laura ou por qualquer outra pessoa envolvida naquela história.
Só
que você não se pode impedir que alguém a desenterre. Você não pode impedir que
os fantasmas voltem. Por mais metafórico e impossível que isto pareça: os
fantasmas sempre voltam. Para o bem, ou para o mal.
Geralmente,
muito geralmente: para o mal, meus caros.
E foi tudo isso o que eu pensei esta manhã depois que
Laura saiu do meu quarto. Levando uma parte da minha calma. De frente para o
meu espelho, eu pensei que, agora será a segunda etapa: descer para o café. E
bom, não só descer para o café. Encontrar Laura e Ana. Juntas.
Respirei sincronicamente uma, duas,
três vezes antes de entrar na sala. Com o pé direito dessa vez. Estava dentro.
Todos já estavam lá. Se eu pudesse desenhar, a ordem seria a seguinte:
·
Eduard na cadeira principal.
·
O meu pai ao seu lado.
·
Pérola em frente ao meu pai e ao lado de
Eduard.
·
Ana ao lado de Pérola.
·
Elisa ao lado de papai.
·
Laura ao lado de Elisa.
·
Eu ao lado de Ana e frente a Laura.
Sim. Eu sou um cara de sorte.
Espero que você entenda uma boa ironia.
- Acho que não nos
conhecemos, Ana. – Laura disse.
- Acho que não.
- Me chamo Laura. Sou
prima de Lorenzo.
- Laura! Muito prazer –
Ana balança os dedos sobre a mesa e sorria (um sorriso verdadeiro) para Laura.
- O prazer é todo meu –
Laura disse sorrindo docemente para mim.
Bom, quanto ao sorriso
de Laura, eu não posso contar-lhe a mesma coisa.
E foi mais ou menos aí que o meu
mundo acabou de fato.
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