sexta-feira, 27 de junho de 2014

# Capítulo 9

O fato é que apareceu uma garota nova no Palácio. Não qualquer garota, mas a garota ruiva de botas do meu sonho. O que me deixou – caramba! – com medo. A garota ruiva que me cedeu o acento. A garota ruiva que passou por mim. A garota ruiva que se chama Laura. O fato é que a dita, passou as duas longas horas do café da manhã me encarando. E eu nem sei o que aquela garota pode ter visto em mim. E bom, aquele sorriso adocicado e aqueles cabelos de comercial de tv poderiam até tentar me enganar, mas aqueles olhos não. Aqueles olhos enlameados, eu conhecia aqueles olhos. São os olhos que a Bárbara de Comunicação Social me olhou. E eu não gostei nem um pouco daquilo.
Após o café da manhã. Fui até o meu quarto. Vovó Pérola me avisou que a prova do vestido seria no dia seguinte. Olga me avisou que eu poderia fazer compras. Já que eu estava praticamente sem roupas. E meu closet – do tamanho do meu quarto (eu preciso dizer isso sempre, porque eu adoro fazê-lo), está praticamente vago.
Deitei-me na minha cama e coloquei OneRepublic para tocar no iPod, mas sempre tem aquela música que te faz levantar e fazer uma zona. Pois é. Eu precisava levantar e fazer uma zona, afinal, estava tocando - nada mais, nada menos do que - Life in Color. Tem um espelho de uns dois metros na parede oposta a Lareira. E eu fui para lá, dar o meu show particular, segurando como microfone – nada mais, nada menos do que – a minha escova de cabelo. E lá estava eu, dançando esquecida do mundo todas as faixas do álbum, com os fones de ouvido no último volume quando de repente eu virei em um salto em direção a porta e – nada mais, nada menos do que – Lorenzo entrou.
Droga, droga, droga.
Quanto tempo ele ficou ali? Ele estava sorrindo da minha cara. Ai Meu Deus! Como ele fica lindo sorrindo da minha cara. É como se Brad Pitt estivesse me dando mole em carne e osso. Para, Ana.
            Tudo bem, eu fiquei congelada. Absolutamente sem reação. E eu tenho quase certeza de que o meu rosto estava vermelho, eu nem me dei ao trabalho de olhar no espelho.
            - Então é isso o que você faz nas horas vagas? – ele ainda estava na porta, ele ainda estava sorrindo, eu ainda estava sem reação.
                 - Quando estou livre das aulas “bata na porta antes de entrar”, sim. – eu disse encarando-o com a expressão de “te peguei” e retirando o fone dos meus ouvidos.
Pensar em “te peguei” me dá calafrios. Olha só o que o duplo sentido das palavras faz com a gente.
             - Você precisa de umas aulas de dança. Você dançando é realmente uma coisa horrível – ele estava fechando a porta e caminhando em minha direção. Parou perto da cama. 
                - Aposto que você deve ter tido algumas. Você tem que servir para alguma coisa... além de você sabe... Ah! Claro. Você não serve para nada.
            - Ok. Eu não sirvo para nada. Então, eu acho que você pode fazer o discurso sozinha – ele deu meia volta e caminhou em passos largos em direção a porta.
Socorro! Eu não posso fazer um discurso sozinha, eu nem sei falar em público, eu sou tipo... a última opção de oradora da turma, eu desmaio em seminários. Ok. Eu só desmaiei duas vezes. Mas vai pegar muito mal desmaiar em rede Nacional. Não, não, não.
            - Lorenzo! – eu disse enquanto ele se virava para mim – talvez eu tenha sido abrangente demais.
            - Abrangente demais? – ele levantou uma das sobrancelhas.
            - Isso! Talvez você sirva para algumas coisas.
            - Talvez?
            Que cara chato!
            - Ok. É claro que você serve para alguma coisa. Você é tipo... o futuro rei. Ninguém é um futuro rei se não serve para alguma coisa.
Ele sorriu.
- Esse é o seu argumento? – ele perguntou enquanto fazia sinal de “Posso sentar na cama?”.
- Bom... eu acho que sim. – eu respondi enquanto fazia um sinal “Sim. Você pode.”.
- Espero que você seja melhor em um discurso do que em suas tentativas de convencimento – ele disse sorrindo enquanto fazia sinal de “Sente-se aqui”.
- Eu não apostaria nisso – eu disse indo sentar na minha cadeira da penteadeira enquanto fazia sinal de “Nem que a vaca tussa”. E aposto que nós dois não sabíamos bem se o meu “Eu não apostaria nisso”, foi a resposta para sentar ao seu lado ou a resposta dessa pessoa aqui ser um horror com discursos. É exatamente por isso que eu amo o duplo sentido das coisas. Se eles não te quebram, eles te ajudam a quebrar alguém.
E eu havia conseguido, por um milésimo de segundos e pela primeira vez em toda a minha estadia no castelo: quebrar Lorenzo.
Ele pigarreou para chamar a minha atenção, e eu só vi que ele estava na minha frente quando ele puxou o meu braço e logo depois me levou até a varanda do meu quarto.
- Que você tá fazendo, Lorenzo?
            - Te ensinando a fazer um discurso, ué.
- E vai usar aquelas técnicas medievais, do tipo, “ameace atirá-la pela janela”?
- É. Não seria uma má ideia.
E nós dois gargalhamos.
- Então qual é a primeira lição?
- Aprecie a vista, Princesa. Porque eu estou apreciando a minha.
E eu não estava olhando para o campo, ou para as redondezas do castelo, ou avaliando como as casas se distribuíam pelo local. Eu estava olhando para ele. Ele estava olhando para mim. E eu entendi bem, entendi completamente bem.
E nós estávamos ali tão perto, tão próximos, nossas bocas ali tão perto, tão próximas, e pela primeira vez desde que nós havíamos nos beijado, desde que eu senti vontade de beijá-lo, uma vontade acalentada invadia o meu peito, como se eu não só precisasse daquele beijo, mas como se eu não funcionasse sem ele.
E aí está a pior coisa do mundo: amar e odiar o mesmo garoto, tudo ao mesmo tempo.
            - Eu acho que quero te beijar – ele sussurrou, enquanto colocava um dos seus dedos nos meus lábios.
            - Eu acho que eu não me importaria se você fizesse isso – eu disse, enquanto o som da chamada de vídeo do Skype estrondava pelo quarto, e a voz de Hanna gritava uma frase absolutamente comprometedora “Ana! Você esqueceu da gente ou fugiu com o príncipe-absolutamente-fatal?”
            - Ok. Agora você definitivamente pode me jogar pela varanda.
E saí enquanto ele caminhava atrás de mim.
               - Hanna!
            - AAAAAAANA! – As três gritaram do outro lado. Todos estavam reunidas na sala de Hanna. Como a gente costumava fazer.
            - Obrigada pelo elogio, Hanna. Seja lá quem você for. – ele apareceu na tela e eu pude ver os olhos delas saltando do rosto. Eu sei. Ele é completamente lindo. Hanna corou. E eu quase morri de vontade de rir.
            - Ai Meu Deus! Eu não queria dizer aquilo, Alteza, Realeza, Príncipe Lorenzo.
            - Só Lorenzo – ele disse sorrindo. – Muito bom conhecer as amigas de Ana.
            - Prazer, Lorenzo. Sou a Marina. Nós não esperávamos você aí. Essa aqui é Dora – Dora acenou e ficou vermelha – E o título da discrição ficou para Hanna.
            - O prazer é todo meu – ele disse de uma forma delicada.
            - Você sumiu, hein Dona Ana? Ficamos plantadas aqui.
            - É que o dia foi tão cheio. Acabei esquecendo. Me desculpem, meninas.
            - Bom, a gente não quer incomodar, vocês devem estar resolvendo algo importante.
            - Nós não estamos...
          - Ana, claro que nós estamos – Lorenzo me cortou. – Foi um prazer imenso, garotas. Espero que possamos conversar outras vezes e que vocês venham passar uma temporada com a gente.
            - Bom... nós também esperamos – Hanna disse histérica.
            - Sintam-se convidadas! – Lorenzo disse enquanto elas davam tchau.
            - Envio e-mails para vocês! Eu prometo, garotas.
            - Eu prometo lembra-la de enviar, meninas.
            - Beijos – Elas gritaram em uma voz só.
E a câmera foi desligada.
Ele voltou para varanda e eu o segui. Nós ficamos calados até ele falar.
            - A Dora é linda.
        - Bom... você pode ficar com ela se quiser. Ela provavelmente vai aparecer por aqui depois do convite.
            - Eu não quero ficar com ela.
            - Aposto que não.
            - Já tenho uma garota em mente.
            - É mesmo?
            - Sim.
            - E eu conheço?
            - Certamente.
            - Óh! Pobre coitada.
            - Será mesmo?
            - Com certeza. Não é tarefa fácil aturá-lo.
            - Você não fica para trás.
            - Ao menos eu sou bonitinha.
            - Completamente bonitinha – ele disse enquanto puxava o meu braço.
            - Você não pode me beijar quando quiser, Lorenzo.
          - Eu não estava tentando te beijar – ele disse soltando o meu queixo – eu estou tentando te posicionar. É mais ou menos assim que você será apresentada. E ali – ele apontou para o campo – estará concentrada a população de Lísia.
Como assim ele não quer me beijar?
            - Tipo toda a população?
            - Praticamente.
            - Estou perdida.
            - Eu te ajudo a te encontrar.
Ok. Aquele silêncio tenebroso perdurou entre a gente. E ficamos mais uma vez ali. Olhando um para outro.
            - Eu encontro o caminho sozinha.
            - As pessoas costumam precisar de um norte.
            - Eu já tenho o meu norte.
            - Eu conheço?
            - Descubra você.
Agora eu seguia para a minha cama e peguei na cômoda ao lado, lápis e papéis. Entreguei nas mãos de Lorenzo.
            - Então vamos fazer o que temos que fazer. De uma vez por todas.
            - E porque você está entregando isso para mim?
            - Ora. Você vai me ajudar.
            - Exato.
            - Então?
            - Então comece a escrever.
            - O quê, Lorenzo?
            - O seu discurso.
            - Mas eu não tenho a mínima ideia de como fazer isso.
            Ele sorriu.
            - Você sabe o que Pablo Neruda costumava dizer?
            - O que Pablo Neruda costumava dizer?
          - “Escrever é fácil. Você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca as ideias.”
            Eu levantei no sobressalto, arqueei as sobrancelhas. Esse cara é um acidente genético posto na minha vida por engano.
            - Como dois e dois são quatro?
            Lorenzo caminhou até a porta, acariciou o trinco, abriu-a, tornou a fechá-la, abriu-a novamente.
            - Como dois e dois são quatro.
E dessa vez saiu. E eu só consegui ouvir o bater das portas, e eu só consegui me sentir sozinha.


Não demorou muito até Olga aparecer no meu quarto. Bater três vezes antes de entrar e me pegar com as mãos na cabeça e um papel em branco.
- Tudo bem se eu entrar, Ana?
- Entre, Olga. Fique a vontade.
- E essa carinha? – Olga havia puxado um puff para o meu lado. Os seus saltos batiam e rangiam no piso.
- É o discurso. Eu não sei por onde começar. E Lorenzo é um sacana barato que não me ajuda a posicionar uma mera consoante. Não me ajuda a escolher entre “Senhores e Senhoras, que estão presentes” ou “Um bom dia a todos!”. E eu nem sei se será um bom dia. Ai Meu Deus. Ele faz uma chacina comigo e ninguém vê. Será que o meu pai não vê? A gente não funciona juntos. E isso não vale só para as regras de português.

Olga estava sorrindo. Ela pegou uma das minhas mãos. Retirou a caneta, colocou sobre o papel e disse:

- Ana, você só precisa se apresentar. Não necessitará de um discurso estrambólico. Seja você, porque você nos basta. Conte a sua história. É o que eles no final das contas querem saber. E quanto a Lorenzo... ele é um garoto temperamental, mas ele tem um bom coração. E eu acho que eu nunca vi os olhos dele brilharem quando ele olha para alguém, exceto quando esse alguém é você. Então...eu sinto que ele pode gostar de você...
- Ah não! Impossível, Olga.
- ... e que você pode gostar dele.
Como eu poderia gostar de Lorenzo? É só a questão dessas reações químicas que me acometem quando eu o vejo. Mas isso não quer dizer que eu goste dele, quer? Convenhamos. Eu não funciono apaixonada. Eu nem sei o que é estar apaixonada.
- Eu acho que não é por aí... – eu disse sorrindo para ela.
- Bom, então é por onde?
- É mais uma das coisas as quais eu preciso descobrir. Me deseje sorte.
- Então, já que é assim... que assim seja. Só passei para avisá-la que a prova do vestido será amanhã a tarde, mais precisamente às 16:00 horas. Depois da comitiva de apresentação, acontecerá o baile de gala, e será lá que você será apresentada oficialmente como noiva de Lorenzo. Ao menos por enquanto... – ela suspirou profundamente – até que você decida, por onde é.
- Obrigada, Olga.
Acompanhei-a até a porta. E depois disso pulei na cama e fiz o que qualquer outra garota normal faria na minha situação: chorar.

Por que logo eu entre 7 bilhões de pessoas no planeta tinha que ser uma princesa?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

 

. Copyright © 2012 Design by Antonia Sundrani Vinte e poucos