O fato é que apareceu
uma garota nova no Palácio. Não qualquer garota, mas a garota ruiva de botas do
meu sonho. O que me deixou – caramba! – com medo. A garota ruiva que me cedeu o
acento. A garota ruiva que passou por mim. A garota ruiva que se chama Laura. O
fato é que a dita, passou as duas longas horas do café da manhã me encarando. E
eu nem sei o que aquela garota pode ter visto em mim. E bom, aquele sorriso
adocicado e aqueles cabelos de comercial de tv poderiam até tentar me enganar,
mas aqueles olhos não. Aqueles olhos enlameados, eu conhecia aqueles olhos. São
os olhos que a Bárbara de Comunicação Social me olhou. E eu não gostei nem um
pouco daquilo.
Após o café da manhã.
Fui até o meu quarto. Vovó Pérola me avisou que a prova do vestido seria no dia
seguinte. Olga me avisou que eu poderia fazer compras. Já que eu estava
praticamente sem roupas. E meu closet – do tamanho do meu quarto (eu preciso
dizer isso sempre, porque eu adoro fazê-lo), está praticamente vago.
Deitei-me na minha cama
e coloquei OneRepublic para tocar no iPod, mas sempre tem aquela música que te
faz levantar e fazer uma zona. Pois é. Eu precisava levantar e fazer uma zona,
afinal, estava tocando - nada mais, nada menos do que - Life in Color. Tem um
espelho de uns dois metros na parede oposta a Lareira. E eu fui para lá, dar o
meu show particular, segurando como microfone – nada mais, nada menos do que –
a minha escova de cabelo. E lá estava eu, dançando esquecida do mundo todas as
faixas do álbum, com os fones de ouvido no último volume quando de repente eu
virei em um salto em direção a porta e – nada mais, nada menos do que – Lorenzo
entrou.
Droga,
droga, droga.
Quanto
tempo ele ficou ali? Ele estava sorrindo da minha cara. Ai Meu Deus! Como ele
fica lindo sorrindo da minha cara. É como se Brad Pitt estivesse me dando mole
em carne e osso. Para, Ana.
Tudo
bem, eu fiquei congelada. Absolutamente sem reação. E eu tenho quase certeza de
que o meu rosto estava vermelho, eu nem me dei ao trabalho de olhar no espelho.
-
Então é isso o que você faz nas horas vagas? – ele ainda estava na porta, ele
ainda estava sorrindo, eu ainda estava sem reação.
- Quando estou livre das aulas “bata na
porta antes de entrar”, sim. – eu disse encarando-o com a expressão de “te
peguei” e retirando o fone dos meus ouvidos.
Pensar em “te peguei” me dá calafrios.
Olha só o que o duplo sentido das palavras faz com a gente.
-
Você precisa de umas aulas de dança. Você dançando é realmente uma coisa
horrível – ele estava fechando a porta e caminhando em minha direção. Parou
perto da cama.
-
Aposto que você deve ter tido algumas. Você tem que servir para alguma coisa...
além de você sabe... Ah! Claro. Você não serve para nada.
-
Ok. Eu não sirvo para nada. Então, eu acho que você pode fazer o discurso
sozinha – ele deu meia volta e caminhou em passos largos em direção a porta.
Socorro!
Eu não posso fazer um discurso sozinha, eu nem sei falar em público, eu sou
tipo... a última opção de oradora da turma, eu desmaio em seminários. Ok. Eu só
desmaiei duas vezes. Mas vai pegar muito mal desmaiar em rede Nacional. Não,
não, não.
-
Lorenzo! – eu disse enquanto ele se virava para mim – talvez eu tenha sido
abrangente demais.
-
Abrangente demais? – ele levantou uma das sobrancelhas.
-
Isso! Talvez você sirva para algumas coisas.
-
Talvez?
Que cara chato!
-
Ok. É claro que você serve para alguma coisa. Você é tipo... o futuro rei.
Ninguém é um futuro rei se não serve para alguma coisa.
Ele
sorriu.
- Esse é o seu
argumento? – ele perguntou enquanto fazia sinal de “Posso sentar na cama?”.
- Bom... eu acho que
sim. – eu respondi enquanto fazia um sinal “Sim. Você pode.”.
- Espero que você seja
melhor em um discurso do que em suas tentativas de convencimento – ele disse
sorrindo enquanto fazia sinal de “Sente-se aqui”.
- Eu não apostaria
nisso – eu disse indo sentar na minha cadeira da penteadeira enquanto fazia
sinal de “Nem que a vaca tussa”. E aposto que nós dois não sabíamos bem se o
meu “Eu não apostaria nisso”, foi a resposta para sentar ao seu lado ou a
resposta dessa pessoa aqui ser um horror com discursos. É exatamente por isso
que eu amo o duplo sentido das coisas. Se eles não te quebram, eles te ajudam a
quebrar alguém.
E eu havia conseguido,
por um milésimo de segundos e pela primeira vez em toda a minha estadia no
castelo: quebrar Lorenzo.
Ele pigarreou para
chamar a minha atenção, e eu só vi que ele estava na minha frente quando ele
puxou o meu braço e logo depois me levou até a varanda do meu quarto.
- Que você tá fazendo,
Lorenzo?
-
Te ensinando a fazer um discurso, ué.
- E vai usar aquelas
técnicas medievais, do tipo, “ameace atirá-la pela janela”?
- É. Não seria uma má
ideia.
E
nós dois gargalhamos.
- Então qual é a
primeira lição?
- Aprecie a vista,
Princesa. Porque eu estou apreciando a minha.
E eu não estava olhando
para o campo, ou para as redondezas do castelo, ou avaliando como as casas se
distribuíam pelo local. Eu estava olhando para ele. Ele estava olhando para
mim. E eu entendi bem, entendi completamente bem.
E nós estávamos ali tão
perto, tão próximos, nossas bocas ali tão perto, tão próximas, e pela primeira
vez desde que nós havíamos nos beijado, desde que eu senti vontade de beijá-lo,
uma vontade acalentada invadia o meu peito, como se eu não só precisasse
daquele beijo, mas como se eu não funcionasse sem ele.
E aí está a pior coisa
do mundo: amar e odiar o mesmo garoto, tudo ao mesmo tempo.
-
Eu acho que quero te beijar – ele sussurrou, enquanto colocava um dos seus
dedos nos meus lábios.
-
Eu acho que eu não me importaria se você fizesse isso – eu disse, enquanto o
som da chamada de vídeo do Skype estrondava pelo quarto, e a voz de Hanna
gritava uma frase absolutamente comprometedora “Ana! Você esqueceu da gente ou
fugiu com o príncipe-absolutamente-fatal?”
-
Ok. Agora você definitivamente pode me jogar pela varanda.
E saí enquanto ele caminhava atrás de
mim.
-
Hanna!
-
AAAAAAANA! – As três gritaram do outro lado. Todos estavam reunidas na sala de
Hanna. Como a gente costumava fazer.
-
Obrigada pelo elogio, Hanna. Seja lá quem você for. – ele apareceu na tela e eu
pude ver os olhos delas saltando do rosto. Eu sei. Ele é completamente lindo.
Hanna corou. E eu quase morri de vontade de rir.
-
Ai Meu Deus! Eu não queria dizer aquilo, Alteza, Realeza, Príncipe Lorenzo.
-
Só Lorenzo – ele disse sorrindo. – Muito bom conhecer as amigas de Ana.
-
Prazer, Lorenzo. Sou a Marina. Nós não esperávamos você aí. Essa aqui é Dora –
Dora acenou e ficou vermelha – E o título da discrição ficou para Hanna.
-
O prazer é todo meu – ele disse de uma forma delicada.
-
Você sumiu, hein Dona Ana? Ficamos plantadas aqui.
-
É que o dia foi tão cheio. Acabei esquecendo. Me desculpem, meninas.
-
Bom, a gente não quer incomodar, vocês devem estar resolvendo algo importante.
-
Nós não estamos...
-
Ana, claro que nós estamos – Lorenzo me cortou. – Foi um prazer imenso,
garotas. Espero que possamos conversar outras vezes e que vocês venham passar
uma temporada com a gente.
-
Bom... nós também esperamos – Hanna disse histérica.
-
Sintam-se convidadas! – Lorenzo disse enquanto elas davam tchau.
-
Envio e-mails para vocês! Eu prometo, garotas.
-
Eu prometo lembra-la de enviar, meninas.
-
Beijos – Elas gritaram em uma voz só.
E a câmera foi desligada.
Ele voltou para varanda e eu o segui.
Nós ficamos calados até ele falar.
-
A Dora é linda.
-
Bom... você pode ficar com ela se quiser. Ela provavelmente vai aparecer por
aqui depois do convite.
-
Eu não quero ficar com ela.
-
Aposto que não.
-
Já tenho uma garota em mente.
-
É mesmo?
-
Sim.
-
E eu conheço?
-
Certamente.
-
Óh! Pobre coitada.
-
Será mesmo?
-
Com certeza. Não é tarefa fácil aturá-lo.
-
Você não fica para trás.
-
Ao menos eu sou bonitinha.
-
Completamente bonitinha – ele disse enquanto puxava o meu braço.
-
Você não pode me beijar quando quiser, Lorenzo.
-
Eu não estava tentando te beijar – ele disse soltando o meu queixo – eu estou
tentando te posicionar. É mais ou menos assim que você será apresentada. E ali
– ele apontou para o campo – estará concentrada a população de Lísia.
Como
assim ele não quer me beijar?
-
Tipo toda a população?
-
Praticamente.
-
Estou perdida.
-
Eu te ajudo a te encontrar.
Ok. Aquele silêncio tenebroso perdurou
entre a gente. E ficamos mais uma vez ali. Olhando um para outro.
-
Eu encontro o caminho sozinha.
-
As pessoas costumam precisar de um norte.
-
Eu já tenho o meu norte.
-
Eu conheço?
-
Descubra você.
Agora eu seguia para a minha cama e
peguei na cômoda ao lado, lápis e papéis. Entreguei nas mãos de Lorenzo.
-
Então vamos fazer o que temos que fazer. De uma vez por todas.
-
E porque você está entregando isso para mim?
-
Ora. Você vai me ajudar.
-
Exato.
-
Então?
-
Então comece a escrever.
-
O quê, Lorenzo?
-
O seu discurso.
-
Mas eu não tenho a mínima ideia de como fazer isso.
Ele
sorriu.
-
Você sabe o que Pablo Neruda costumava dizer?
-
O que Pablo Neruda costumava dizer?
-
“Escrever é fácil. Você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final.
No meio você coloca as ideias.”
Eu
levantei no sobressalto, arqueei as sobrancelhas. Esse cara é um acidente
genético posto na minha vida por engano.
-
Como dois e dois são quatro?
Lorenzo
caminhou até a porta, acariciou o trinco, abriu-a, tornou a fechá-la, abriu-a
novamente.
-
Como dois e dois são quatro.
E dessa vez saiu. E eu
só consegui ouvir o bater das portas, e eu só consegui me sentir sozinha.
Não demorou muito até Olga aparecer no
meu quarto. Bater três vezes antes de entrar e me pegar com as mãos na cabeça e
um papel em branco.
- Tudo bem se eu entrar, Ana?
- Entre, Olga. Fique a vontade.
- E essa carinha? – Olga havia puxado um
puff para o meu lado. Os seus saltos batiam e rangiam no piso.
- É o discurso. Eu não sei por onde
começar. E Lorenzo é um sacana barato que não me ajuda a posicionar uma mera
consoante. Não me ajuda a escolher entre “Senhores e Senhoras, que estão
presentes” ou “Um bom dia a todos!”. E eu nem sei se será um bom dia. Ai Meu
Deus. Ele faz uma chacina comigo e ninguém vê. Será que o meu pai não vê? A
gente não funciona juntos. E isso não vale só para as regras de português.
Olga estava sorrindo. Ela pegou uma das
minhas mãos. Retirou a caneta, colocou sobre o papel e disse:
- Ana, você só precisa se apresentar.
Não necessitará de um discurso estrambólico. Seja você, porque você nos basta.
Conte a sua história. É o que eles no final das contas querem saber. E quanto a
Lorenzo... ele é um garoto temperamental, mas ele tem um bom coração. E eu acho
que eu nunca vi os olhos dele brilharem quando ele olha para alguém, exceto
quando esse alguém é você. Então...eu sinto que ele pode gostar de você...
- Ah não! Impossível, Olga.
- ... e que você pode gostar dele.
Como eu poderia gostar de Lorenzo? É só
a questão dessas reações químicas que me acometem quando eu o vejo. Mas isso
não quer dizer que eu goste dele, quer? Convenhamos. Eu não funciono
apaixonada. Eu nem sei o que é estar apaixonada.
- Eu acho que não é por aí... – eu disse
sorrindo para ela.
- Bom, então é por onde?
- É mais uma das coisas as quais eu
preciso descobrir. Me deseje sorte.
- Então, já que é assim... que assim
seja. Só passei para avisá-la que a prova do vestido será amanhã a tarde, mais
precisamente às 16:00 horas. Depois da comitiva de apresentação, acontecerá o baile
de gala, e será lá que você será apresentada oficialmente como noiva de
Lorenzo. Ao menos por enquanto... – ela suspirou profundamente – até que você
decida, por onde é.
- Obrigada, Olga.
Acompanhei-a até a porta. E depois disso
pulei na cama e fiz o que qualquer outra garota normal faria na minha situação:
chorar.
Por
que logo eu entre 7 bilhões de pessoas no planeta tinha que ser uma princesa?
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