segunda-feira, 12 de maio de 2014

# Prólogo - 1

Você deve saber que depois de fechar os olhos, ouvir o ronronar dos gatos no telhado, e adormecer, com as mãos equiparadas e as pernas estendidas pela cama: os sonhos vêm. Sem explicações plausíveis, sonha-se. Não são necessárias fórmulas para sonhar. Um, dois, três segundos depois, estamos submersos, às vezes por pessoas que se foram, por oportunidades perdidas, por amor, por amizades, ou por aquilo que a gente espera, lá no fundo. Meio possível, meio impossível. E foi assim que tudo começou. E foi aqui, o começo e o fim.
De repente, eu me vi na biblioteca da minha faculdade, carregando dois livros, e logo depois recebendo uma espécie de boleto por multa da biblioteca. Até aí: ok. Eu sempre carrego livros, eu sempre pago multa da biblioteca. É tão normal como beber água. Então eu sigo para as bancadas de computadores, e algo vem na minha cabeça repentinamente: esqueci de fazer um trabalho. Isso também é tão normal como beber água.
As bancadas estão ocupadas. Eu as conto de uma à uma. Até que eventualmente uma garota ruiva de botas vermelhas (o que me pareceu demasiadamente estranho), desocupa um dos computadores e passa por mim, saindo da biblioteca logo depois. Ok. Eu me senti uma garota de sorte. Nem tudo estava perdido. Corri até lá e por correr, recebi uma advertência da bibliotecária. Eu mal sabia que se recebia advertências quando se estava na faculdade: eu estava errada. Liguei o computador e acessei o Google. Informação errada. Na verdade, vendo de outro ponto, o computador já estava ligado, assim como a janela do Google já estava aberta.
            Estava pesquisando sobre um transtorno pós-vacinação, e precisava utilizar palavras-chaves. Então eu disse:
            - Como eu odeio pesquisar palavras-chaves!
E de repente, um cara (na verdade “o cara”), virou-se da bancada do meu lado e disse sorrindo:
            - Eu odeio pesquisar qualquer coisa.
Ok. Ele era alto. Eu podia perceber. Mal cabia na cadeira. E tinha um corpo estilo meio termo. Não era magro, não era musculoso. Era perfeito. Era a medida certa. Ele usava uma blusa branca e tinha olhos cinza claros. E não eram quaisquer olhos cinza-claros. Eram olhos cinza-claros que cintilavam. E quem mais tem olhos cinza-claros que cintilam? Ok. Eu precisava contra-atacar. Eu precisava ver outra vez aquele sorriso que começava da bochecha esquerda e logo depois enchia a boca. Um sorriso um tanto sacana. Um sorriso que me fez sorrir.
            - Como é teu nome? – ele perguntou, enquanto batucava o meu caderno sobre as minhas pernas.
            - Ana – respondi ficando vermelha.
            - An-na – ele pronunciou o meu nome de uma forma estranha, com um sotaque meio escocês, meio francês.
            - Ana de Anastácia. Mas ninguém me chama de Anastácia. Eu só estou explicando isso agora – meu Deus eu estou falando descontroladamente.Calma, Ana. – porque eu sempre sou questionada depois. Então, seria chato daqui há uns trinta minutos você me perguntar: Só Ana?
Ele sorriu daquele jeito outra vez. Daquele jeito que ninguém mais conseguiria sorrir. Daquele jeito que ninguém mais conseguiria me tirar um sorriso.
            - Anastácia! Como a princesa perdida? – ele perguntou, enquanto se transformava num borrão, numa mancha escura. Numa mancha sem face.
            - Oi? – eu perguntei, enquanto os seus dentes brancos ainda pairavam na minha frente. E então tudo ficou escuro, tudo ficou preto. E eu pude ouvir o meu despertador alarmar. Eu pude ouvir o meu despertador dando fim ao que não deveria ter tido um fim.
 

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